fernando pessoa, poeta onto-cósmico - Agulha Revista de Cultura
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Fernando Pessoa - Poeta Onto-<strong>cósmico</strong><br />
Vejamos bem : “os meus sentidos apren<strong>de</strong>ram sozinhos”, isto é, sem a<br />
interferência <strong>de</strong> qualquer outra coisa, como condicionamento cultural, opiniões apriorísticas,<br />
sentimentos, fantasia, reflexão, verda<strong>de</strong>s intocáveis do establishment...<br />
essencialmente (!).<br />
E notamos, ao <strong>de</strong>mais, que ACe é, paradoxalmente, anti-espiritualista ...<br />
Sua preocupação máxima é a <strong>de</strong> coletar sensações e armazená-las como<br />
pensamentos, isto é, <strong>de</strong> tentar transformar os dados sensíveis em idéias. Frisemos: armazenar dados<br />
sensíveis (ou melhor, i<strong>de</strong>o-sensíveis) , captáveis primalmente pelos sentidos, é sua missão:<br />
“Sou um guardador <strong>de</strong> rebanhos.<br />
O rebanho é os meus pensamentos.<br />
E os meus pensamentos são todos sensações.”<br />
........................................................................<br />
“Por isso quando num dia <strong>de</strong> calor<br />
Me sinto triste <strong>de</strong> gozá-lo tanto,<br />
E me <strong>de</strong>ito <strong>de</strong> comprido na erva,<br />
E fecho os olhos quentes,<br />
Sinto todo o meu corpo <strong>de</strong>itado na realida<strong>de</strong>,<br />
Sei a verda<strong>de</strong> e sou feliz.” (FPOP, p. 146 e 147)<br />
Entramos, aqui, em contacto com o verbo fundamental, núcleo-caracterizante da<br />
estética <strong>de</strong> Caeiro: pensar-sentir, imagem pálida do processo <strong>de</strong> síntese baseado no sentir (=<br />
recolher sensações) e no pensar (= or<strong>de</strong>nar coerentemente), com vistas à reconstrução do real<br />
sensível, o único e verda<strong>de</strong>iro real para Caeiro.<br />
Seu conceito <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> é - tinha <strong>de</strong> ser – muito singular: consiste, vemos, em<br />
eliminar o sentir (<strong>de</strong> sentimentos, <strong>de</strong> intuiçõs), através do sentir (<strong>de</strong> sentidos).<br />
Po<strong>de</strong>remos, neste passo, ser tentados a aplicar a razão <strong>de</strong> últimas conseqüências,<br />
para <strong>de</strong>terminarmos o que é, em profundida<strong>de</strong>, em essëncia (ou em existência ?), (ou em existência-<br />
essência?), a felicida<strong>de</strong>, para ACe. A distância-tempo entre o objeto e o sujeito é ínfima, durante o<br />
fenômeno da percepção: entre o ver e o objeto visto (ou melhor, sendo visto), na verda<strong>de</strong>, me<strong>de</strong>iam<br />
infinitésimos <strong>de</strong> segundos; isto é, o tempo, enquanto há o sentir (dados sensíveis), praticamente<br />
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