fernando pessoa, poeta onto-cósmico - Agulha Revista de Cultura
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Fernando Pessoa - Poeta Onto-<strong>cósmico</strong><br />
Esse vazio interior angustiante evolui num crescendo, lançando-o num quase<br />
histerismo, autocontrolado a duras penas, em face ao real e a ele mesmo. (Cf., por exemplo, ODE<br />
TRIUNFAL, ODE MARÍTIMA, PASSAGEM DAS HORAS, PSIQUETIPIA, in op. cit.)<br />
A angústia, <strong>de</strong> prístinas raízes, tem origem no seu mesmo instrumento <strong>de</strong> trabalho:<br />
o intercalamento, o buscar sempre e sempre o cada vez mais sutil até atingir o p<strong>onto</strong> em que é e não<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser, até o p<strong>onto</strong> em que já não há <strong>de</strong>finições possíveis, apenas aproximações: nem o<br />
assertivo, nem o infirmativo; apenas e tão somente o quase. Nem a loucura, nem a luci<strong>de</strong>z. Apenas e<br />
tão somente o quase!<br />
“Esta velha angústia,<br />
Esta angústia que trago há séculos em mim,<br />
Transbordou da vasilha,<br />
Em lágrimas, em gran<strong>de</strong>s imaginações,<br />
Em sonhos em estilo <strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>lo sem terror,<br />
Em gran<strong>de</strong>s emoções súbitas sem sentido nenhum.<br />
Transbordou.<br />
Mal sei como conduzir-me na vida<br />
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!<br />
Se ao menos endoi<strong>de</strong>cesse <strong>de</strong>veras!<br />
Mas não: é este estar entre,<br />
Este quase,<br />
Este po<strong>de</strong> ser que...<br />
Isto.”<br />
...... (FPOP, p. 324)<br />
Para ele é sempre e sempre o entre, o estar entre, o intercalado: não consegue<br />
convergir, buscar um p<strong>onto</strong> <strong>de</strong> convergência, <strong>de</strong> conciliação, <strong>de</strong> convicção, um momento <strong>de</strong> pausa<br />
para <strong>de</strong>cantação, para se sentir, ainda que fugazmente, realizado, ou, pelo menos, plenamente vivo,<br />
como é próprio <strong>de</strong> todos os humanos.<br />
O atropelo do seu divergir-se, manifestado em céleres, cambiantes, estados d'alma<br />
- ele o sente -- precisa ser <strong>de</strong>tido, ou, pelo menos, arrefecer o ritmo frenético:<br />
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