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fernando pessoa, poeta onto-cósmico - Agulha Revista de Cultura

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Fernando Pessoa - Poeta Onto-<strong>cósmico</strong><br />

Seu coração não é coração: é um enorme estrado que se agigantou imensamente,<br />

mas não para conservar e guardar experiências para si mesmo, para construção <strong>de</strong> seu acervo <strong>de</strong> vida,<br />

mas para servir como estrado, como uma espécie <strong>de</strong> palco aberto em que se expõe, para que todos<br />

possam ver, um pequeno animálculo, menos que um verme, totalmente infimizado, <strong>de</strong>sumanizado,<br />

<strong>de</strong>spersonalizado. Campos, Campos percebe-o agudamente, não é Pessoa, não é <strong>pessoa</strong>: é um quase<br />

nada dotado <strong>de</strong> uma ínfima e bruxuleante vida. A isso se vê reduzido no seu penúltimo dia <strong>de</strong><br />

existência: a um animálculo colocado para exposição no enorme estrado, no ingente palco do seu<br />

coração que não é coração, não para ele. E ele o que foi? - Campo ou campos <strong>de</strong> experiências para<br />

o microscópio percuciente, minu<strong>de</strong>ntemente perscrutador <strong>de</strong> Fernando Pessoa ele-mesmo.<br />

Ele chega ao fim, fazendo o que sempre soube fazer: falando, falando sempre e<br />

sempre, explorando minúcias e intercalamentos cada vez mais sutis que são totalmente sem sentido,<br />

sem qualquer significado para si mesmo. As experiências tão sutilmente sutis por que passou eram-<br />

lhe momentos <strong>de</strong> quebra da ilusão em que se meteu e que a seu grado perpetuaria:<br />

“A microscópio <strong>de</strong> <strong>de</strong>silusões<br />

Fin<strong>de</strong>i, prolixo nas minúcias fúteis...”<br />

O continente, AdC, transbordante <strong>de</strong> contéudo riquíssimo, multiforme e variado,<br />

não no po<strong>de</strong> ter, abranger interpretativamente, nem incorporá-lo como experiências <strong>de</strong> vida: a vida<br />

para-si-mesmo lhe era interdita, interditada. A rica vida sem vida que teve ou mal teve tinha por fim<br />

único experimentar, em níveis hiperbólicos, paroxísticos, a tudo e a todos <strong>de</strong> todas as maneiras e<br />

registrar fi<strong>de</strong>dignamente o <strong>de</strong>senrolar e o resultado das experiências.<br />

Agora é a hora <strong>de</strong> parar tudo:<br />

“Fecho o ca<strong>de</strong>rno dos apontamentos”<br />

pois já não há mais o que registrar. O único que po<strong>de</strong> fazer agora é apenas traçar,<br />

correspon<strong>de</strong>ntemente ao seu estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-anim-ação, <strong>de</strong> <strong>de</strong>spimento <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> uma alma que lhe<br />

foi emprestada, meras garatujas e arabescos <strong>de</strong>stituídos <strong>de</strong> qualquer consistência, <strong>de</strong> qualquer<br />

sentido:<br />

“E faço riscos moles e cinzentos”<br />

É chegada a hora do último ato da missão que lhe foi confiada, que lhe foi imposta:<br />

enviar ao <strong>de</strong>stinatário o resultado documentado daquilo tudo que empreen<strong>de</strong>u:<br />

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