fernando pessoa, poeta onto-cósmico - Agulha Revista de Cultura
fernando pessoa, poeta onto-cósmico - Agulha Revista de Cultura
fernando pessoa, poeta onto-cósmico - Agulha Revista de Cultura
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Fernando Pessoa - Poeta Onto-<strong>cósmico</strong><br />
po<strong>de</strong>r adiar, ainda que uma vez, o frenesi sem frenesi do seu viver; isso é exatamente o que o<br />
martiriza e lhe mostra com dorida clareza a “persistência confusa da” sua “subjetivida<strong>de</strong> objetiva”.<br />
A sua subjetivida<strong>de</strong> objetiva - terrível interstício <strong>de</strong> consciência em que teve <strong>de</strong> se<br />
meter - que atua <strong>de</strong> uma maneira confusa, que ele mal consegue enten<strong>de</strong>r, persiste, insiste em existir<br />
quase que <strong>de</strong> moto próprio. Não é ele; é algo que há nele que o impele para a frente, para o futuro, e<br />
esse algo <strong>de</strong> difícil conceituação ele o <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> objetiva, essa como necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sentir <strong>de</strong> uma maneira objetiva: <strong>de</strong> sofrer sem sofrer, <strong>de</strong> chorar sem chorar, <strong>de</strong> rir sem rir, <strong>de</strong><br />
martirizar-se sem se martirizar, <strong>de</strong> enlevar-se sem se enlevar... Po<strong>de</strong>r rir , po<strong>de</strong>r chorar, mas sem se<br />
entregar à emoção, permanecendo espectador alheado <strong>de</strong> si mesmo, <strong>de</strong> sua mesma dor. Não permitir<br />
que a sensação <strong>de</strong>sperte a emoção, a comoção. Não po<strong>de</strong>r chorar, a não ser <strong>de</strong> fora <strong>de</strong> si mesmo.<br />
Sem alma? Não: com uma alma:<br />
“Esta espécie <strong>de</strong> alma...”<br />
Com uma alma, sim, mas com uma alma muito especial, muito singular, diferente,<br />
altamente diferenciada, gerada no intercalamento <strong>de</strong>la mesma com algo que lhe é mais exterior, mais<br />
objetivo: uma alma que pensa, uma alma que sente, mas que não po<strong>de</strong> se emocionar, se comover.<br />
Uma alma que tem como missão ser testemunha imparcial <strong>de</strong> si mesma. Uma alma que lhe faz brotar<br />
anelos que são realizações quotidianas para o homem comum:<br />
“Tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> chorar,<br />
Tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> chorar muito <strong>de</strong> repente, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro...”<br />
E quando po<strong>de</strong>rá ele realizar essa aspiração tão simples e tão-lhe impossível?<br />
“Depois <strong>de</strong> amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.<br />
“Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã...”<br />
Um <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã que, ele sabe, mas quer iludir-se, nunca chegará. O único<br />
que lhe resta é insistir doidamente, lucidamente, nessa ilusão:<br />
“Sim, talvez só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã...”<br />
Mas a ilusão já não tem a força que antes tinha ou parecia ter: já não consegue<br />
sustentá-lo diante da crueza da realida<strong>de</strong> a que se submeteu. Por isso, só lhe resta vago, in<strong>de</strong>finido,<br />
incerto, improvável,<br />
38