fernando pessoa, poeta onto-cósmico - Agulha Revista de Cultura
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Fernando Pessoa - Poeta Onto-<strong>cósmico</strong><br />
Aquela dimensão superior em que os i<strong>de</strong>ais, o bem, o transcen<strong>de</strong>ntal, o permanente,<br />
<strong>de</strong>veriam habitar não passa <strong>de</strong> uma mentira, <strong>de</strong> uma ilusão, <strong>de</strong> um auto-engano. Seu ser presente que,<br />
na verda<strong>de</strong>, não é ser, mas estado, nada mais é que um fantasma, um ente pouco mais que imaginário,<br />
inconsistente, sem vida-vida, sem carne, sem osso, sem coração; seu ser-fantasma o que mais almeja,<br />
num torpor auto-imposto, e isso por intervalos (não é algo que consegue manter constante, instante,<br />
vívido), é que haja um Além. Ah! Esta se<strong>de</strong> mascarada <strong>de</strong> não-se<strong>de</strong> <strong>de</strong> Infinito! E a dor pungente se<br />
transforma num grito trágico <strong>de</strong> <strong>de</strong>salento:<br />
" - Acaba lá com isso, ó coração!"<br />
Ah! coração, que não posso ter como meu, só meu, acaba logo com isso tudo: com<br />
esses loucos anelos, com essa inconsistência consistente, com essa consistência inconsistente do meu<br />
viver...<br />
Já não po<strong>de</strong> (nunca pô<strong>de</strong>, em verda<strong>de</strong>!) lutar contra o <strong>de</strong>stino que o aguarda, pois<br />
está a aproximar-se celeremente, vertiginosamente, do término <strong>de</strong> sua missão:<br />
...................................................<br />
"Escancarado Furness, mais três dias<br />
Te aturarei, pobre engenheiro preso<br />
A sucessibilíssimas vistorias..." (FPOP, p. 356)<br />
Barrow-on-Furness, último poema da obra "POESIAS DE ÁLVARO DE CAMPOS",<br />
compõe-se <strong>de</strong> cinco sonetos, sendo os quatro primeiros formados <strong>de</strong> duas quadras e dois tercetos; o<br />
quinto é constituído <strong>de</strong> três quadras e um dístico. O esquema rímico é bastante variado, tudo <strong>de</strong><br />
conformida<strong>de</strong> com o divergir do Autor.<br />
O trecho acima correspon<strong>de</strong> ao primeiro terceto do terceiro soneto. Na contagem<br />
do Autor, aqui, cada soneto, representa um dia; assim, ele estaria, a tal altura dos acontecimentos, no<br />
antepenúltimo dia <strong>de</strong> sua existência. E é por isso que ele diz: "mais três dias te aturarei", dirigindo-<br />
se ao rio Furness, em cujas margens se ergue a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barrow-in-Furness, Grã-Bretanha, mar da<br />
Irlanda, on<strong>de</strong> ele estaria, esperando o cumprimento <strong>de</strong> seus dias. Curioso (ou significativo?) que o<br />
Poeta tenha <strong>de</strong>nominado a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barrow-on-Furness...<br />
I<strong>de</strong>ntifica-se, nesse momento, como um "pobre engenheiro", como alguém que tem<br />
ou teve como tarefa construir ou um edifício, ou uma ponte, ou um porto, ou qualquer outra coisa que<br />
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