fernando pessoa, poeta onto-cósmico - Agulha Revista de Cultura
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Fernando Pessoa - Poeta Onto-<strong>cósmico</strong><br />
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“Na vidraça aberta, fronteira ao ângulo com que o meu olhar a colhe<br />
A casa branca distante on<strong>de</strong> mora... Fecho o olhar...<br />
E os meus olhos fitos na casa branca sem a ver<br />
São outros olhos vendo sem estar fitos nela a nau que se afasta.”<br />
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“Milagre do aparecimento da Senhora das Angústias aos loucos,<br />
Maravilha do enegrecimento do punhal tirado para os atos,<br />
Os olhos fechados, a cabeça pendida contra a coluna certa,<br />
E o mundo para além dos vitrais paisagem sem ruínas...<br />
A casa branca nau preta...<br />
Felicida<strong>de</strong> na Austrália... “ (FPOP, p. 288 e 289)<br />
O <strong>poeta</strong>, atentando para as sensações em si, percebe que o que sente não é um<br />
estado <strong>de</strong> sonho, nem <strong>de</strong> cisma: é algo que se situa em algum p<strong>onto</strong> entre um e outro e que ele<br />
nomeia como torpor. Trata-se, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma sensação singular, cadinho d’alma que disparou e<br />
forjou todo o poema.<br />
O próprio título do poema é calcado no processo do interseccionismo. Temos aí<br />
duas dimensões da realida<strong>de</strong> que se interseccionam: casa e nau.<br />
CASA BRANCA<br />
NAU PRETA<br />
Aqui nesta intersecção <strong>de</strong> sensações, a dimensão, o objeto <strong>de</strong> que trata o <strong>poeta</strong>.<br />
Não é casa, não é nau: é algo que fica no entre, intercalado entre um e outro. É algo <strong>de</strong> casa: é<br />
moradia, é imóvel; é algo <strong>de</strong> nau: é meio <strong>de</strong> transporte, é móvel. A intersecção <strong>de</strong> ambos busca<br />
conciliar, em síntese, em mistura, os dois antitéticos. A Terra, em que vivemos, é bem isso aí: é<br />
moradia: nela habitamos; é nave: nela viajamos incessantemente pelo cosmos. Só que aqui estamos<br />
dando uma interpretação baseada no nível nocional, das idéias, dos conceitos, das representações.<br />
Atente-se para o fato <strong>de</strong> que não é isso que se passa com “casa branca nau preta”.<br />
O que falamos até aqui sobre o interseccionismo são apenas aproximações, para<br />
enten<strong>de</strong>rmos melhormente o fenômeno que tem origem num mecanismo <strong>de</strong> percepção<br />
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