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fernando pessoa, poeta onto-cósmico - Agulha Revista de Cultura

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Fernando Pessoa - Poeta Onto-<strong>cósmico</strong><br />

Passa logo em seguida a explicar por que sua literatura é sincera, dizendo que há,<br />

na obra dos três, uma profunda idéia metafísica, que se preocupa visceralmente com a “noção da<br />

gravida<strong>de</strong> e do mistério da Vida”. E conclui: em cada um <strong>de</strong>sses três heterônimos ele pôs “um<br />

profundo conceito da vida, divino em todos três”, estando sempre atento seriamente a que em todos<br />

os três o existir se apresentasse em toda sua gama <strong>de</strong> mistério e importância:<br />

“Chamo insinceras às coisas feitas para fazer pasmar, e às coisas, também - repare<br />

nisto, que é importante - que não contêm uma fundamental idéia metafísica, isto é, por on<strong>de</strong> não<br />

passa, ainda que como um vento, uma noção da gravida<strong>de</strong> e do mistério da Vida. Por isso é sério<br />

tudo o que escrevi sob os nomes <strong>de</strong> Caeiro, Reis, Álvaro <strong>de</strong> Campos. Em qualquer <strong>de</strong>stes pus um<br />

profundo conceito da vida, divino em todos três, mas em todos gravemente atento à importância<br />

misteriosa <strong>de</strong> existir.”<br />

(Id. Ibid.)<br />

Agora po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> uma maneira mais contun<strong>de</strong>nte, que os três, ainda<br />

quando se <strong>de</strong>clarassem ou se apresentassem como não metafísicos, ou ainda quando assim atuassem,<br />

estavam sendo profundamente metafísicos, porque sabiam, sem saber, que tudo que estavam<br />

experienciando tinha, para uma dimensão mais profunda <strong>de</strong> suas personalida<strong>de</strong>s, um sentido<br />

transcen<strong>de</strong>ntal. O apelo-núcleo comum neles era o metafísico; o que variava era o modo como isso<br />

se manifestava, como isso se impunha, invisivelmente, a cada um <strong>de</strong>les.<br />

Buscar com total isenção o material, o objetivo, o natural natural, é como<br />

<strong>de</strong>monstrou Caeiro, um meio <strong>de</strong> chegar à Realida<strong>de</strong>. O fato <strong>de</strong> essa dimensão estar-lhe interdita foi<br />

uma espécie <strong>de</strong> hipótese <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> cláusula contratual, que lhe foi imposta. E o que aconteceu<br />

foi uma <strong>de</strong>monstração ab absurdo. Fugindo ao sentido íntimo das coisas, esteve prestes a chegar ao<br />

sentido íntimo das coisas. Esse o caminho da extrema objetivida<strong>de</strong> (que nos lembra Krishnamurti),<br />

em que o heterônimo, per<strong>de</strong>ndo todo o contacto com o si-mesmo, se <strong>de</strong>spersonaliza totalmente,<br />

“E contudo - penso-o com tristeza - pus no Caeiro todo o meu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spersonalização dramática,”<br />

(Trecho <strong>de</strong> uma carta a Casais Monteiro, <strong>de</strong> 13/01/35 – in FPO em P, p.94)<br />

assumindo o papel <strong>de</strong> um eu objetivo totalmente separado <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos e <strong>de</strong> si-mesmo. A total<br />

<strong>de</strong>spersonalização, em que o eu, “tirado às coisas, penetra nelas como...” um estado consciencial<br />

inefável, que não po<strong>de</strong> ser verbalmente traduzido, parece ser a conseqüência, em nível metafísico,<br />

daquilo que se impôs realizar.<br />

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