Memória, patrimônio e identidade - TV Brasil
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“coisa”. “Assim”, explica o Dr. Sacks, “havia gnose formal, mas nenhum traço de gnose pessoal. E<br />
isso vinha acompanhado de sua indiferença, ou cegueira, para as expressões. Um rosto, para nós”,<br />
afirma Sacks, “é uma pessoa olhando para fora – vemos, por assim dizer, a pessoa por intermédio<br />
de sua persona, de seu rosto. Mas para o Dr. P. não havia persona neste sentido – nenhuma persona<br />
exterior, e nenhuma pessoa interior”. O Dr. P. funcionava exatamente como uma máquina, na<br />
avaliação do médico. Não só apresentando a mesma indiferença ao mundo visual existente em um<br />
computador, mas – ainda mais espantoso – construindo o mundo como um computador o constrói,<br />
por meio de características essenciais e relações esquemáticas. O esquema podia ser identificado –<br />
como que por um ‘kit de <strong>identidade</strong>' – sem que a realidade fosse percebida”.<br />
Dessas observações, bastante incompletas aqui sobre o caso, podemos imediatamente fazer uma<br />
analogia com o que pode acontecer com um indivíduo que, por motivos inexplicáveis, ou por razões<br />
que a vida contemporânea pode justificar nas grandes metrópoles e conglomerados habitacionais,<br />
perde a capacidade de reconhecer e identificar os elementos e o contexto em que vive. Não seria<br />
exagero falar na síndrome da “agnosia social” que se manifesta em grande escala em nossa<br />
sociedade. A incapacidade de reconhecer o “todo”, a “realidade”, os fatos e as pessoas/ personas<br />
que nos rodeiam ou que interagem conosco, em especial na vida pública e política, por uma<br />
deficiência de mecanismos de conexão entre formas e sentidos, entre expressões e conteúdos, por<br />
uma ausência (por não desenvolvimento e estímulo) dos processos operatórios de interpretação ,<br />
representação e reconhecimento das coisas e dos fatos (eventualmente das “fábulas”) do nosso<br />
quotidiano que, na verdade, constituem os fundamentos do pensamento e da memória. Pessoas que<br />
“funcionam” no dia-a-dia recorrendo a “kits de <strong>identidade</strong>” pré-fabricados pelo marketing e pela<br />
mídia, e que perderam o próprio “kit” e, conseqüentemente, a capacidade de reconhecer o próprio<br />
rosto e a própria <strong>identidade</strong> no contexto em que atuam.<br />
O trabalho da Educação permanente, do reconhecimento das memórias individuais e coletivas, do<br />
<strong>patrimônio</strong> material e imaterial que herdamos de nossos ancestrais, o “fazer História” e o<br />
conhecimento da História, a recuperação das memórias e tradições familiares e locais, e todo o<br />
revolver do “baú de ossos” que carregamos, cada um de nós, em nossas costas, é sem dúvida a<br />
melhor terapia para casos exemplares como o do Dr. P., utilizado aqui como figura “arquetípica” do<br />
herói, da vítima, do mártir e do guerreiro contemporâneo.<br />
A invenção da memória<br />
MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E IDENTIDADE. 17