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Memória, patrimônio e identidade - TV Brasil

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porque, em cada quadro social, cada indivíduo percebe a memória de uma maneira; ele o faz<br />

inconscientemente, selecionando elementos do mundo que o cerca, em função de suas necessidades,<br />

de suas preocupações, de suas curiosidades e também em função da própria força destes elementos.<br />

Alguns se impondo ou apagando os demais. Assim sendo, tanto a memória quanto a percepção<br />

conferem implicitamente, a cada elemento, um valor. Valor, diga-se, gravado segundo sua<br />

importância para o indivíduo que percebe e memoriza.<br />

Tributária das experiências vividas, a memória o é igualmente da linguagem cotidiana, de seu<br />

léxico, de sua sintaxe. A linguagem fornece, a cada indivíduo, os meios de exteriorizar sua memória<br />

sob a forma de uma narração em voz alta, tornando-a acessível a outros indivíduos. Ela pode assim<br />

ser contada aos outros, e ouvir-se contada pelos outros. Ela fornece, enfim, a cada indivíduo, os<br />

meios de dominar a própria memória. É a linguagem que nos incentiva a cultivá-la, aperfeiçoá-la,<br />

por uma série de técnicas capazes de controlar ou de reforçar seus conteúdos. A linguagem modela a<br />

memória no seu conteúdo mais íntimo, pois é ela que retém ou organiza os dados. A linguagem faz,<br />

pois, entrar na memória individual informações que jamais teriam sido percebidas ou colhidas pelo<br />

portador. Ela permite, por exemplo, recolher a narrativa de ancestrais, guardando-a na memória,<br />

deslocando o passado do indivíduo para além de seu nascimento e identificando-o ao passado dos<br />

que viveram antes dele.<br />

“Os mortos… suas casas mortas… parece impossível sua evocação completa porque de coisas e<br />

pessoas só ficam lembranças fragmentárias. Entretanto, pode-se tentar a recomposição de um grupo<br />

familiar desaparecido usando como material esse riso da filha que repete o riso materno, essa<br />

entonação de voz que a neta recebeu da avó, a tradição que prolonga no tempo a conversa de bocas<br />

há muito abafadas por um punhado de terra” 5 , diria sobre a questão Pedro Nava.<br />

Factual, qualitativa, seletiva, toda a memória humana é, ao mesmo tempo parcial e avessa à<br />

imparcialidade. Isto, contudo, não a impede de ser auto-suficiente, pois se alguém não se lembra de<br />

alguma coisa, precisa contar com a palavra de um interlocutor que afirma ter tal e qual lembrança.<br />

Isto porque a memória não administra provas. Ela é sua própria prova. “Eu me lembro que foi<br />

assim…” é argumento suficientemente convincente.<br />

Se a memória é uma das mais antigas noções da cultura, a idéia de uma memória social, capaz, até,<br />

de pôr à prova a memória individual, é coisa recente. Foi Maurice Halbwachs que, em 1925, inventa<br />

MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E IDENTIDADE.<br />

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