Baixe o Livro - poeminflamado
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O corpo e a voz:<br />
elementos ATIVOS<br />
“A palavra mata.<br />
A palavra mesmo morta mata.”<br />
França<br />
Empoderado de sua voz, de seu livre pensar e de uma crítica e aguda<br />
consciência da(s) verdadeira(s) realidade(s) de seu povo, o Arte-educador,<br />
Poeta, Encenador, Ator e Capoeirista França desvelou ao seu aluno/leitor/espectador/interlocutor<br />
essa tal estrutura de desigualdade<br />
da nossa civilização. Alguém no sofá ou na plateia poderia lhe perguntar:<br />
– Mas, se ninguém te ouve, como podes falar? Bom, na contramão<br />
dos processos da atual sociedade do espetáculo, em que o cidadão é<br />
paralisado e manipulado pelo medo, França agiu ativa e politicamente<br />
em nome da restituição do poder do livre pensar-sentir-agir-falar do ser<br />
humano. O caminho? O “do meio” – a arte, a imaginação, a educação, a<br />
criatividade, a poesia. A arma? Seu corpo, sua palavra e sua voz.<br />
O artista teceu sua filosofia de vida e sua arte na organicidade da<br />
conexão entre voz, corpo e território, sempre partindo de um fértil<br />
processo de construção de suas localizações identitárias no plano do<br />
gesto e do corpo. Foi buscar na cultura de seus ancestrais africanos<br />
a articulação simbólica da corporalidade com a territorialidade. Adotou<br />
como intercessores diretos Solano Trindade e Zumbi dos Palmares.<br />
E foi viver a experiência corporal como uma forma de conhecimento<br />
intuitivo, direto sobre o mundo. Entender seu corpo como um microcosmo<br />
do mundo e como parte integrante da natureza, não como seu<br />
contraponto. Experimentou em seu próprio corpo a sua cultura, sua<br />
memória, as relações com o divino, a sua luta e a resistência: no cabelo<br />
e na filosofia Rasta, nos movimentos de capoeira, na poesia falada.<br />
Para o artista, a questão não era sobreviver ou viver da arte: a vida-<br />
-morte-vida requer um despertar cotidiano da mente e do corpo, exige<br />
movimento, interação. E tal qual um Exu literário, França movimentou<br />
a cena local, propiciou o contato e a troca entre os poetas e o público,<br />
transportou a sua e muitas outras falas. Abriu caminhos.<br />
Nesse diapasão, França espalhou muitas sementes: desde o fim da<br />
década de 1990, com os primeiros encontros poéticos promovidos em<br />
seu bar Sociedade dos Poetas Vivos até a apoteose da comunhão poética<br />
nas madrugadas de Olinda, no seu semanal recital poético Eu, Poeta<br />
Errante (2000-2007). Isso sem falar em Felipe, Carolina, Danilo e Pedra,<br />
seus descendentes diretos; sem falar também nas incontáveis crianças<br />
que participaram de suas aulas; nos não-atores e até mesmo atores que<br />
com ele fundaram o coletivo Teatro dos Amadores de Olinda; nos admiradores<br />
da lógica antimercadológica da Mão-de-Veludo Edições Artesanais,<br />
tocada por ele e pela artista gráfica Sil. Falar de França é olhar<br />
para além de sua obra. É falar, sobretudo, de seu público, que com ele<br />
aprendeu a participar ativamente da experiência artística.<br />
Assim, o compassivo e pacífico lutador, o terno guerreiro da arte-<br />
-educação, da militância literária, do anticonformismo, da contracultura<br />
e do exercício responsável da liberdade foi e continua sendo figura<br />
mítica da cidade de Olinda. Seu sorriso franco, seus ensinamentos e<br />
seus versos permanecem vivos nos becos e nas ladeiras da Cidade Alta,<br />
mas principalmente na memória dos com que ele compartilharam a<br />
experiência do altruísmo e da autotransformação através da poesia.<br />
A poesia viva, os caminhos abertos:<br />
sem interdições.<br />
“Grite o seu pensamento<br />
Esparrame sua dor<br />
Multiplique o alarido<br />
Pra que não descanse em paz<br />
o seu opressor”<br />
França<br />
O corpo, a voz, a cultura e a memória do negro interditados. Mas<br />
França não silenciou. Ele acreditava que o poeta negro tem a missão<br />
de expor as feridas da sociedade: não transformando essas feridas em<br />
obra de arte (forjando, talvez, uma estética do oprimido), mas sim assumindo<br />
o papel de porta-voz de seu povo, de personagem da História.<br />
A narrativa crônica e concreta do cotidiano, das ladeiras e dos becos –<br />
uma das faces de sua poesia – passa, assim, a revelar a rede de forças e<br />
práticas culturais que tecem as relações de poder da sociedade.<br />
Foi para falar sobre essas interdições, perdas, desagregações e diásporas<br />
– que até hoje ecoam nos caminhos e vidas dos afro-brasileiros – que o poeta<br />
construiu sua primeira obra, A Cor da Exclusão. Concebida como performance<br />
(1996), transformou-se em livro (1998) e, na década de 2000, foi também<br />
peça de teatro. Daí se auscultam as fronteiras fluidas, líquidas, da arte de França:<br />
teatro-literatura, performance-poesia, oralidade-escritura, arte-vida.<br />
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Poeminflamado<br />
Apresentação<br />
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