Baixe o Livro - poeminflamado
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Lá vem a fome / lá vem a fome / Descendo a ladeira da misericórdia<br />
/sem misericórdia nenhuma // e a fome vem / e elimina as diferenças<br />
/ entre seres humanos / e animais // A fome / a fome”<br />
Foi também encontrada uma versão deste poema nos manuscritos pessoais<br />
do autor, que segue:<br />
“cada vez nossa voz se faz/ mais cadavérica e atroz/ surge em evidência<br />
suja/ sórdida e veloz a fome/ – sem respaldo aparente/ sem<br />
limite condizente –/ de circo de água e de pão// – Lá vem ela/ – ela<br />
quem, home?/ – A fome/ – Quem?/ – A Fome!/ / e a fome vem descendo<br />
a Ladeira/ da Misericórdia sem misericórdia nenhuma/ Lá<br />
vem ela descendo ladeira/ lá vem danada ligeira/ e a fome come e<br />
alimenta outras carências/ e a fome come e elimina as diferenças/<br />
entre seres humanos e animais”<br />
XXXVI Mais um poema mínimo ou “poemínimo” do autor. Esta versão foi<br />
transcrita de vídeo produzido a partir de performance do artista na ocasião<br />
da festa de lançamento do livro Quarto de Ofício, ocorrida em 1997.<br />
Inserido na realidade intersemiótica de sua obra, este poema pode ser<br />
também visto como uma curta cena teatral: aberta para as interpretações<br />
e as realizações operadas pela recepção de cada leitor.<br />
XXXVII Este poema, em especial, é bastante conhecido entre os que frequentaram<br />
os recitais nos Quatro Cantos de Olinda (ou “o umbigo do<br />
mundo”, como o poeta falava). Trata de sua visão lúcida e de sua crítica<br />
sobre a cidade “patrimônio histórico da humanidade”.<br />
A versão aqui apresentada remete a um manuscrito pessoal de França,<br />
e não corresponde ipsis litteris às versões que ele costumava recitar. Infelizmente,<br />
não tivemos acesso a outro registro mais recente (audiovisual,<br />
por exemplo) desse poema, de modo que a versão incluída na publicação<br />
guarda algumas alterações em relação às suas realizações orais.<br />
Realizações orais (no plural) porque, como já foi ressaltado, uma das<br />
características de sua poesia e da poesia falada em geral é a da obra aberta,<br />
ou seja, da poesia em constante diálogo com o instante e com o contexto<br />
em que é recitada. Assim, é sabido que os espetáculos, as performances,<br />
os recitais e os poemas de França viravam outros, transformavam-se,<br />
ao sabor de cada acontecimento artístico. Desta feita, mesmo se transcrevêssemos<br />
aqui uma de suas versões orais, ficaria a ressalva de que esse<br />
processo era aberto: sua obra sofria constantemente pequenas mutações.<br />
Não obstante, consta que, como preâmbulo à recitação deste poema,<br />
França costumava formalizar uma espécie de rito com a inclusão de música<br />
e brincadeiras. Num processo que mirava a inclusão do público, antes<br />
de recitar o poema propriamente dito, o poeta costumava entoar uma<br />
clássica introdução a diversos frevos da cidade, em referência à música e<br />
ao carnaval de Olinda. Após o preâmbulo musical, vinha o mote: “Blém,<br />
blém, blém / Não é Pará / Não é belém / Venho aqui anunciar / Que Olinda<br />
não vai bem!”. Por fim, o poema-denúncia. E o choque entre as delícias e<br />
as dores daquela cidade.<br />
XXXVIII Este capítulo traz uma seleção de poemas inéditos do poeta França,<br />
ainda desconhecidos do público: tanto no plano da oralidade quanto<br />
pelas vias editoriais. A reunião destes poemas foi possível pelo pleno acesso<br />
que os pesquisadores tiveram aos manuscritos do autor. Dentre eles,<br />
foi encontrado um bilhete do autor à sua então companheira Sil – também<br />
parceira nas empreitadas editoriais da Mão-de-Veludo – em que ele sugere<br />
a substituição do título de A Cor da Exclusão por O homem que marcha<br />
sobre si, sugestão esta que não vingou.<br />
Resolvemos, assim, agregar esse título ao capítulo dos inéditos: o homem<br />
que marcha, que caminha sobre si é aquele que empreende uma<br />
jornada de autoconhecimento, de descoberta de novas identificações, de<br />
revelações. Através de si. De sua produção artística.<br />
XXXIX Poema de Angelo Bueno cuja circulação oral França multiplicou.<br />
Vale salientar que, antes da presente publicação, este poema ainda não<br />
havia sido registrado por escrito. Não raro, a autoria do “Pense” foi popularmente<br />
atribuída a França. Isto porque a parceria dos amigos França e<br />
Bueno era intensa, e tais questões de autoria diluíam-se – até mesmo para<br />
o interlocutor da obra.<br />
Este poema era uma peça fundamental nos recitais do Eu, Poeta Errante;<br />
um verdadeiro jogo teatral – que junto a poemas como Isadora e a<br />
famosa brincadeira com o popular mote dos vendedores de bairro (“Dona<br />
Maria, Dona Maria, este é o carro da economia! Uma poesia por apenas<br />
um real! Traga a vasilha...”) – configuravam-se como artifícios para costurar<br />
a dinâmica dos recitais e proporcionar a interação mais estreita do<br />
poeta e da poesia com o público presente.<br />
Decidimos colocá-lo como abertura deste capítulo – através de um<br />
teatral movimento de apresentação – por ele trazer em si essa relação<br />
ambígua do ineditismo: ser “de domínio público” (entre os que viveram<br />
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Poeminflamado<br />
Notas<br />
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