Baixe o Livro - poeminflamado
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Depoimentos//178 a 187<br />
A HERANÇA DO POETA FRANÇA<br />
Um belo dia ouvi um velho dizer: – Quem sai de sua cidade cedo,<br />
jovem, pequeno, menino, quem não vive nela a turbulência da adolescência,<br />
nunca poderá captar a alma de sua cidade como um verdadeiro<br />
cidadão. Se voltar para sua cidade, voltará já uma estátua. Seu destino:<br />
ficar embutido numa praça qualquer, a ver mil sóis nascerem e se porem.<br />
Eternamente presente, jamais um participante.<br />
Levantei a bandeira da indignação e perguntei: – Mas meu senhor,<br />
então me diga uma coisa: Como é que se alimenta uma árvore? Uma<br />
planta qualquer? Não é pelas suas raízes? Qualquer ser tem veias! Vínculos<br />
que lhe mantêm vivos!<br />
– Pense! Disse ele, seus olhos arregalados. – Pense numa árvore que<br />
cresce com o nariz para cima. Ela só olha para o sol que a esquenta e a<br />
chuva que a refresca e se esquece completamente de alimentar suas raízes.<br />
Enquanto isso suas raízes vão enfraquecendo, vão secando, e, um belo dia,<br />
elas morrerão. Por mais impressionante que seja essa árvore, ela vai cair!<br />
Neste ponto já estava bastante assustada, mas o maldito continuou:<br />
– E tem mais!, disse ele, subitamente curvando seu corpo para a<br />
frente, e se aproximando da minha pessoa com uma lentidão assustadora.<br />
– Ela vai cair sem nem saber se era mangueira ou pinheiro!<br />
Na verdade, este velho não existe, mas ele me ensinou uma coisa<br />
muito importante: se eu não quisesse voltar uma estátua, precisava<br />
procurar minhas raízes. Saber se eu dava frutos, ou somente sombra. E<br />
teria que encarar certas coisas.<br />
Primeiro: França se foi. Embora às vezes ainda pareça uma coisa<br />
fictícia. Parece um Elvis. Até agora há quem negue que foi embora.<br />
Percorro as mesmas ruas que percorri com ele, desta vez sozinha. Às<br />
vezes prendia o ar ao dobrar uma esquina, numa mistura de medo e<br />
vontade de reencontrá-lo. Medo, porque o susto seria tão grande que<br />
eu mesma bateria as botas. Vontade porque a saudade simplesmente<br />
é imensa. Mas desde 2007 nunca mais aconteceu e nunca mais acontecerá.<br />
A coisa é, portanto, um fato.<br />
Ao andar com ele pelas ruas de Olinda sentia um orgulho imenso<br />
e só agora sei de quê. Em retrospectiva, parece que só o via em 2D.<br />
Paradoxalmente, agora que só restam seus escritos, sua trilha de pensamento<br />
num pedaço de papel, sua voz num DVD - só agora que seu<br />
ser não é mais, ganhou outra dimensão.<br />
Porém, isto não é nenhum lamento, e isto me leva ao segundo ponto:<br />
ele se foi, e deixou um vácuo absoluto. Mas este vácuo não é um<br />
mero vazio. É um espaço que pode ser preenchido novamente. Vivia<br />
educando, plantando sementes. E talvez era necessário que ele fosse,<br />
que ele desse lugar a novos seres, a novas árvores, se quiser.<br />
Sua herança é essa. É como ele. Não se mede em dinheiro, nunca<br />
estará sujeita às malícias da política e às flutuações do mercado. Não<br />
se pesa em ouro. E, generoso como era, não deixou isso tudo só para<br />
seus filhos. Compartiu com seus amigos, e, de fato, todos que cruzaram<br />
seu caminho.<br />
Um grande amigo sempre diz: compartir es vivir. França continuará<br />
vivendo através do que compartiu conosco. Através das suas histórias,<br />
das nossas memórias, e através de sua obra. Chegará a conviver com<br />
nossos filhos e os filhos deles. Extrapolou as fronteiras da matéria. Expandiu<br />
as fronteiras do Brasil. E o melhor de tudo isso, é que uma semente<br />
não precisa cair no mesmo solo para gerar outro ser. Basta que<br />
caia em solo fértil.<br />
HISTÓRIA DA FRANCIDADE<br />
QUANTO MAIS SEI,<br />
MAIS SINTO<br />
ORGULHO<br />
Carolina Maciel, de França.<br />
[Fã, filha, tradutora e educadora]<br />
178<br />
Poeminflamado<br />
Posfácio<br />
179