ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
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apanha o Cavaleiro em flagrante no pecado da mentira: “Quanto a mim, senhor, eu não<br />
sei dissimular. Não me agrada. Acho que é mau e não posso dizer que seja bom. Admiro<br />
aqueles que sabem fingir. Mas os que sabem fingir uma coisa, também sabem fingir nas<br />
outras todas.”.<br />
As intervenções das outras personagens são numerosas, em A Estalaja<strong>de</strong>ira:<br />
suscitadas pelo ambiente único e restrito, lugar <strong>de</strong> inevitável coabitação, entrelaçam-se<br />
os temas, agudizam-se ou <strong>de</strong>sviam-se os sentimentos, agilizam-se ou complicam-se os<br />
estratagemas <strong>de</strong> Mirandolina. Está representado, <strong>de</strong> maneira mais clara, neste momento,<br />
a função do espaço cénico que foi mencionada: no local que indica ao mesmo tempo o<br />
trabalho e a <strong>de</strong>pendência (dos clientes) <strong>de</strong> Mirandolina, todos são obrigados, pelos<br />
galanteios, pelo amor ou pelo interesse, a <strong>de</strong>finirem-se; a indicar, para além do papel<br />
fixado no jogo <strong>de</strong> uma coexistência provisória, os próprios limites subjectivos e<br />
objectivos, que nenhum po<strong>de</strong> <strong>de</strong> facto ultrapassar. O vazio da “estalagem-teatro”<br />
reclama portanto necessida<strong>de</strong>s sociais: o jogo não escon<strong>de</strong> as regras do real, essas são<br />
inquebráveis para todos.<br />
Goldoni trabalha Fabrício (o único, a par <strong>de</strong> Mirandolina, que está ligado à<br />
estalagem pelo trabalho, e aspirante a marido da patroa), através <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />
pedaços fragmentários, mas constantes: manifesta ciúmes doentios, mas também é<br />
calculista e sensato, o que o torna mais submisso. “No fundo, os forasteiros vêm e vão.<br />
Eu fico sempre” (I, X). É excluído do jogo <strong>de</strong> Mirandolina, mas a sua presença é<br />
importante por isso: “agrada pouco” ao Marquês e representa para o Con<strong>de</strong>, mais<br />
céptico e rico, uma solução in<strong>de</strong>sejável (I, I); é posto em relevo pelos ciúmes do<br />
Cavaleiro (“Juro pelos céus que, se esse torna cá, lhe racho a cabeça”; III, VI); é<br />
valorizado no final por aquela espécie <strong>de</strong> medo que assoma a protagonista diante dos<br />
efeitos suscitados pela própria comédia (“Estou só, ninguém tenho que me <strong>de</strong>fenda.<br />
Ninguém, a não ser aquele bom Fabrício (...) Enfim, com este casamento salvarei o meu<br />
interesse e o meu crédito, sem prejudicar a minha liberda<strong>de</strong>.”; III, XIII). O calculismo<br />
burguês e a reserva interna <strong>de</strong> Mirandolina lançam uma sombra <strong>de</strong> equívoco sobre o<br />
<strong>de</strong>sfecho: mesmo na última cena, com o esposo, Mirandolina conserva uma margem <strong>de</strong><br />
ambiguida<strong>de</strong> elusiva, ou melhor, <strong>de</strong> solidão inatingível.<br />
O Marquês é uma figura mais vistosa, muito pela natureza (necessariamente<br />
sempre pelas palavras), da sua vida psicológica: as suas palavras são uma contínua<br />
tentativa <strong>de</strong> negar a realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> substituir a força egocêntrica <strong>de</strong> uma tautologia (“Eu<br />
sou quem sou”), que percorre os discursos com a insistência <strong>de</strong> um tique obsessivo e<br />
<strong>de</strong>sesperado. O Marquês e o Con<strong>de</strong>, <strong>de</strong> resto, são necessários um ao outro, não só na sua<br />
rivalida<strong>de</strong> em relação a Mirandolina, mas na oposição contínua com que acabam por<br />
esgotar a sua existência: esse capricho mecânico leva-os, frase a frase, ao seu estrato<br />
social e à sua pobreza moral. Autómato <strong>de</strong> farsa, um <strong>de</strong>les, “meio-carácter” ignorante e<br />
corrupto, o outro, eles prefiguram, com a classe aristocrática como pano <strong>de</strong> fundo, as<br />
máscaras possíveis <strong>de</strong> um teatro mo<strong>de</strong>rno. As duas comediantes permitem, neste<br />
contínuo eco <strong>de</strong> gestos e frases, que se forme uma nota estranha, mas não heterogénea:<br />
distraem as personagens masculinas, e <strong>de</strong>volvem a Mirandolina um jogo subtilmente<br />
Rua <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Ourique, 120 / 1250 – 062 Lisboa/ Tel: 21 391 67 50<br />
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