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ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada

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inclinar-se perante a mercantil mesquinhez da minha esquálida <strong>de</strong>scendência...”; e as<br />

rentiers fixas que se apreen<strong>de</strong>m no capricho do título da obra encontrar-se-ão mesmo no<br />

teatro <strong>de</strong> Labiche (Le Baron <strong>de</strong> Fourchevif, 1859), quando a nobreza já <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir<br />

enquanto classe concorrente e a burguesia <strong>de</strong>tém <strong>de</strong> maneira sólida o intrincado <strong>de</strong><br />

privilégios em que baseia a sua hegemonia.<br />

Todavia, a partir <strong>de</strong> um certo momento, que não se consegue datar com precisão,<br />

mas que constitui o momento lógico em que a nova mentalida<strong>de</strong> burguesa ganha<br />

vantagem para o público, o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é observada esta situação dramática é<br />

completamente <strong>de</strong>struído: a partir <strong>de</strong>sse momento, o burguês que olha para o brasão já<br />

não é consi<strong>de</strong>rado um ser socialmente inferior que quer <strong>de</strong>sajeitadamente subir <strong>de</strong> classe<br />

e se cobre <strong>de</strong> ridículo, mas sim uma boa pessoa, parecida com aquelas que estão na<br />

plateia, que contudo tem a obsessão, às vezes inocente, às vezes até perigosa, <strong>de</strong> um<br />

título nobiliárquico, <strong>de</strong> um adorno que já foi esvaziado <strong>de</strong> significado.<br />

O próprio Goldoni, em Famiglia <strong>de</strong>ll’antiquario (1750), dirige a sua crítica ao<br />

rico Pantalone, que “por causa do catarro da nobreza” quer casar a filha com um nobre.<br />

Mas, diferentemente <strong>de</strong> George Dandin, que puxava para si todo o ridículo da situação,<br />

Pantalone divi<strong>de</strong> o ridículo com a nobre donzela cujo filho <strong>de</strong>verá tornar-se como ela,<br />

na excitação daquele pensamento <strong>de</strong> que o sangue da casa possa ser enlameado com as<br />

bodas “com uma mercadora”: no tempo <strong>de</strong> Goldoni, a relação entre as duas classes<br />

mudou profundamente e entre o burguês que por snobismo <strong>de</strong>seja tornar-se nobre e o<br />

nobre que se entrincheira na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um privilégio, autor e público castigam-nos<br />

indiferentemente. Se pensamos na breve troca <strong>de</strong> palavras no início <strong>de</strong> A estalaja<strong>de</strong>ira<br />

(“Eu sou o Marquês <strong>de</strong> Forlipópoli.” – “E eu sou o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Albafiorita.” – “Con<strong>de</strong>,<br />

sim. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> condado comprado.” – “Comprei o condado. Mas, na mesma ocasião,<br />

vendíeis vós o marquesado.”) compreen<strong>de</strong>mos quanto, pelo menos na Veneza <strong>de</strong>sse<br />

tempo, se não mesmo na Europa, a divisão entre as duas classes estava esvaziada <strong>de</strong><br />

qualquer significado concreto. Mas o casamento entre burgueses e nobres visto como<br />

negócio entre capital e brasão não é o único modo <strong>de</strong> nos acercarmos do tema, nem que<br />

seja porque havia sempre burgueses pobres e nobres ricos e o problema <strong>de</strong> um<br />

casamento entre eles não se podia resolver nos termos acima referidos. Se bem que o<br />

caso <strong>de</strong>vesse ser raro, na literatura dramática encontramo-lo tratado numa medida a<br />

todos os títulos surpreen<strong>de</strong>nte: por baixo da tendência das concepções iluministas, há<br />

uma série <strong>de</strong> peças mais ou menos pequenas no século XVIII que nos apresentam um<br />

jovem nobre e rico a casar com uma pobre menina <strong>de</strong> origens humil<strong>de</strong>s, com base numa<br />

série <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações humanitárias e igualitárias que recriam, na convenção dramática<br />

e talvez até na realida<strong>de</strong>, o estado mítico e utópico da natureza. O estado comum do<br />

filho <strong>de</strong> Deus, o carácter aci<strong>de</strong>ntal da riqueza e da honra, a igualda<strong>de</strong> dos homens<br />

perante a doença e a morte; são as premissas <strong>de</strong> um convite a não medir as chances<br />

matrimoniais <strong>de</strong> um jovem ou <strong>de</strong> uma menina num plano da nobreza ou do registo, mas<br />

num plano <strong>de</strong> honra e <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>. “Um só / foi o princípio <strong>de</strong> todos”, sentencia Goldoni<br />

em Giustino (1734): “igual matéria / forma os membros <strong>de</strong> um monarca, e forma / os <strong>de</strong><br />

um vil pastor.” E não florescem apenas os casamentos entre nobres e burgueses neste<br />

Rua <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Ourique, 120 / 1250 – 062 Lisboa/ Tel: 21 391 67 50<br />

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