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ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada

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vista <strong>de</strong>sconcertante. A sua Pamela não discute sentenças e sermões inspirados nos<br />

belos conceitos igualitários <strong>de</strong> que falámos: “O sangue nobre é um acaso da sorte, as<br />

acções nobres caracterizam os gran<strong>de</strong>s”; “Eu sou uma pobre criada, vós o meu patrão,<br />

mas duas coisas iguais temos e são estas: razão e honra”; “Quem tenha morrido para<br />

salvar a honra, entendo; que seja <strong>de</strong>sonra casar com uma pobre rapariga honesta, não<br />

percebo. Ouvi dizer tantas vezes que o mundo seria muito mais belo se os homens não o<br />

tivessem estragado, os quais por causa da soberba abalaram a belíssima or<strong>de</strong>m da<br />

natureza...”. Todavia, apesar <strong>de</strong>stas premissas e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitas discussões e<br />

monólogos a favor e contra a coisa, a <strong>de</strong>cisão do Milord Bonfil é <strong>de</strong> renunciar a Pamela<br />

e renunciaria, <strong>de</strong> facto, se Goldoni não inventasse no fim um reconhecimento fantástico<br />

na base do qual Pamela se revela não menos nobre que o seu namorado. Não nos<br />

<strong>de</strong>ixemos enganar pelo final, evi<strong>de</strong>ntemente aborrecido e gentil (“Gosto <strong>de</strong> imaginar”,<br />

escreverá, <strong>de</strong> facto, Goldoni no aviso aos leitores, “uma aventura vantajosa para os dois<br />

amantes e ao mudar as condições <strong>de</strong> Pamela recompenso as suas virtu<strong>de</strong>s sem ultrajar o<br />

sangue puro <strong>de</strong> um Cavaleiro, que a par dos estímulos <strong>de</strong> amor também tem em atenção<br />

os da honra”), e obe<strong>de</strong>çamos àquela que é a conclusão racional da comédia, aquela que<br />

emerge das premissas da acção e das personagens, antes que uma preocupação <strong>de</strong><br />

carácter oportunista obrigue Goldoni – por uma vez – a dar menos atenção aos critérios<br />

da verda<strong>de</strong> e da justiça poética. O Lor<strong>de</strong> Bonfil – ao contrário do que suce<strong>de</strong> no<br />

romance – <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> não casar com Pamela; não na base <strong>de</strong> uma recusa dos conceitos <strong>de</strong><br />

igualda<strong>de</strong>, mas ren<strong>de</strong>ndo-se – para além <strong>de</strong> qualquer utopia abstracta – à opinião<br />

comum codificada pelos costumes: “Pamela”, escreve ainda Goldoni, “embora vil e<br />

abjecta merece casar com um Cavaleiro; um Cavaleiro que recompense o mérito <strong>de</strong><br />

Pamela e, não obstante a vileza do nascimento, a toma como esposa. É verda<strong>de</strong> que em<br />

Londres têm pouco escrúpulo por tais bodas (...) Não tenho intenção <strong>de</strong> reprovar aquilo<br />

que eles não con<strong>de</strong>nam (...) mas tal como <strong>de</strong>vo mostrar no <strong>Teatro</strong> a moral que advém<br />

das práticas comuns aprovadas por todos, perdoar-me-ão a necessida<strong>de</strong> em que me<br />

encontrei <strong>de</strong> não ofen<strong>de</strong>r os costumes mais louvados”; em Veneza, <strong>de</strong> facto, “a verda<strong>de</strong><br />

é que ninguém gostará (...) que o filho, o irmão, um familiar case com uma mulher <strong>de</strong><br />

baixa condição e sim com um dos seus pares, por muito que seja, mais do que esta,<br />

virtuosa e gentil” 30 .<br />

Não vale a pena <strong>de</strong>rramar lágrimas sobre estas afirmações. Sem dúvida, aquela<br />

sólida i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> Goldoni com o próprio público a que fizemos referência é, neste<br />

caso, rebaixada a uma anuência ao lugar comum mais conservador e reaccionário, como<br />

acontece não poucas vezes – ou mesmo sempre! –, quando o homem mais baixo, que<br />

existe até em Shakespeare, se sobrepõe ao poeta, e as razões da utilida<strong>de</strong> quotidiana e<br />

privada sufocam a rigorosa verda<strong>de</strong> da arte. Goldoni escreve Pamela em 1750 e tem<br />

diante <strong>de</strong> si muito tempo para modificar e actualizar as suas próprias opiniões pessoais.<br />

Mas para além do inútil truque do reconhecimento, para além das afirmações gerais<br />

contidas no aviso ao leitor, examinemos a conclusão racional do que acontece a<br />

Pamela. Como é hábito, a dignida<strong>de</strong> da família, o futuro dos filhos, as conversas sobre<br />

os outros são os temas que emergem do texto e acabam por influenciar a <strong>de</strong>cisão do<br />

30 L’autore a chi legge. In Tutte le opere cit. Vol. III, p. 131.<br />

Rua <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Ourique, 120 / 1250 – 062 Lisboa/ Tel: 21 391 67 50<br />

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