ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
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atitu<strong>de</strong> não servil <strong>de</strong> Mirandolina é sinalizada como “ousadia”, como “impertinência”,<br />
isto é, como rebeldia social, infracção dos códigos hierárquicos. Há no Cavaleiro uma<br />
presunção social, uma violência <strong>de</strong> classe, que será clara mais à frente, no terceiro acto,<br />
mas que existe a partir <strong>de</strong>ste ponto introdutório da peça. Aquilo que indigna o<br />
Cavaleiro, na atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mirandolina, não é, na verda<strong>de</strong>, o côtè feminino, mas a falta <strong>de</strong><br />
respeito social. Aquilo que o <strong>de</strong>sgosta é o comportamento plebeu (e não tanto o<br />
comportamento feminino) <strong>de</strong> Mirandolina. “Sabida!” diz o Cavaleiro <strong>de</strong>la a propósito<br />
da má-criação com que ela mete ao bolso os brincos que o Con<strong>de</strong> lhe oferece nesta<br />
mesma cena. E ainda: “Linda agu<strong>de</strong>za! Devora-lhe os diamantes e nem ao menos lhe<br />
agra<strong>de</strong>ce”. De novo, aquilo que vemos assinalado é a indisciplina social, a contenção<br />
ru<strong>de</strong>, vulgar, trivial. (...)<br />
Importa-me reforçar que em quase todas as abordagens chama-nos à atenção o<br />
contrário da alegada misoginia do Cavaleiro. Isto tem a ver com o seu monólogo em I,<br />
16 on<strong>de</strong> fala <strong>de</strong> Mirandolina: “Tem não sei quê <strong>de</strong> extraordinário. Mas nem por isso me<br />
<strong>de</strong>ixarei enamorar. Para um nada <strong>de</strong> divertimento, sempre gosto mais <strong>de</strong>sta do que <strong>de</strong><br />
qualquer outra. Mas para os amores? Para per<strong>de</strong>r a liberda<strong>de</strong>? Não há perigo. Tolos,<br />
tolos os que se enamoram das mulheres”. É evi<strong>de</strong>nte que o Cavaleiro faz sexo, tem<br />
relações com mulheres, mas são relações ocasionais, com rameiras ou putas. São<br />
contactos fugazes, não são relações que se prolongam. Pegue-se na oposição entre “para<br />
fazer amor”, estável, durante um certo tempo, um período, e o “para um nada <strong>de</strong><br />
divertimento”, isto é, a prática rápida, com um parceiro sexual ocasional. O Cavaleiro<br />
conhece e pratica as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste segundo género, e tem aversão, com uma<br />
<strong>de</strong>terminação obstinada, às do primeiro género. Provavelmente não suporta o jogo<br />
galante do homem que corteja a mulher; parecer-lhe-á uma perda <strong>de</strong> virilida<strong>de</strong>. Em todo<br />
o caso, observe-se como – ao pon<strong>de</strong>rar a hipótese <strong>de</strong> uma relação com Mirandolina –<br />
sinta necessário que Mirandolina esteja disponível. Nem sequer lhe passa minimamente<br />
pela cabeça que Mirandolina possa não correspon<strong>de</strong>r. Como autêntico nobre, pensa<br />
como o Marquês, que “preten<strong>de</strong> correspondência, como tributo à sua nobreza”, segundo<br />
<strong>de</strong>finição do Con<strong>de</strong> em I, 4. O Cavaleiro torna-se escudo do próprio papel social <strong>de</strong><br />
nobre, porque isto o insere numa certa tradição <strong>de</strong> comportamentos. Sabemos bem<br />
como, até à Revolução Francesa, era habitual a aristocracia pilhar e violentar as crianças<br />
do povo. Em II, 13 é significativo o diálogo do Cavaleiro com as comediantes, a<br />
brutalida<strong>de</strong> com que ele as trata: arranca-lhes os topetes da cabeça e expulsa-as. Há um<br />
tom mal intencionado no Cavaleiro, que nos conduz a um gosto secreto <strong>de</strong> se<br />
amesquinhar com prostitutas e mulheres <strong>de</strong> má vida (entre as quais estão, obviamente,<br />
as actrizes, que são sempre um pouco semi-prostitutas, como se sabe). Existe, no fundo,<br />
uma prática <strong>de</strong> frequentação <strong>de</strong>ste universo baixo. O que explica, <strong>de</strong> facto, aquilo que<br />
pelo contrário seria pouco explicável, o facto <strong>de</strong> ele conhecer o jargão (“Também eu sei<br />
a vossa língua” diz, <strong>de</strong> facto, ele às actrizes).<br />
Mas é sobretudo no terceiro acto – já o dissemos – que explo<strong>de</strong> a violência<br />
aristocrática do Cavaleiro, a começar pela gran<strong>de</strong> cena do passar a ferro. Em geral,<br />
sublinha-se o sadismo <strong>de</strong> Mirandolina que queima com o ferro o pobre Cavaleiro. Mas,<br />
Rua <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Ourique, 120 / 1250 – 062 Lisboa/ Tel: 21 391 67 50<br />
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