ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Fabrício, que ao contrário do público não ouviu o monólogo programático da<br />
cena 9 do I acto, pe<strong>de</strong>, naturalmente, garantias, e Mirandolina <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lhe ter dito<br />
claramente que se assim não lhe agrada se po<strong>de</strong> ir embora, não tem nada contra<br />
satisfazer também esta formalida<strong>de</strong>, lançando-se numa <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> amor tão pública<br />
quanto excessiva, que as divas do século XIX diluiriam provavelmente num tom<br />
lânguido, comovido e sentimental. E também isto não faz mais do que provar a<br />
repentina transformação da personagem no palco e nas páginas da crítica, e quão<br />
profunda <strong>de</strong>ve ser a activida<strong>de</strong> da montagem se se fizer uma leitura simplesmente<br />
objectiva do texto.<br />
Mas como dissemos anteriormente, A estalaja<strong>de</strong>ira também tem um significado<br />
político e social: história <strong>de</strong> uma mulher que entre um Con<strong>de</strong>, um Marquês e um<br />
Cavaleiro, acaba a casar com o humil<strong>de</strong> Fabrício, para que ele a aju<strong>de</strong> na gestão da<br />
estalagem, A estalaja<strong>de</strong>ira exemplifica <strong>de</strong> modo altamente característico e significativo<br />
o problema das relações entre a burguesia e a nobreza, num momento histórico em que a<br />
nova classe se apoia e substitui a antiga no papel <strong>de</strong> classe dominante. Consi<strong>de</strong>rada a<br />
esta luz, A estalaja<strong>de</strong>ira surge como um exemplo <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> conteúdos, on<strong>de</strong> o<br />
teatro <strong>de</strong> Goldoni e a literatura dramática do género são justapostos <strong>de</strong> maneira<br />
proveitosa.<br />
De todos os géneros literários, o teatro é aquele que mais se presta a uma análise<br />
sociológica sobre o património cultural e moral, sobre os mitos, crenças, i<strong>de</strong>ais e<br />
convenções <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>. O teatro, <strong>de</strong> facto, muito mais do que a<br />
narrativa e a poesia, ou o pensamento filosófico, está ligado, pela sua natureza, à<br />
satisfação imediata do público e reflecte sempre, com rapi<strong>de</strong>z tempestiva o modo <strong>de</strong><br />
viver e <strong>de</strong> pensar da socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se insere. Isto não significa que todas as novas<br />
exigências que chegam à realida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolvam primeiramente como expressão<br />
literária no teatro; significa o contrário: isto é, significa que o teatro assinala o momento<br />
em que certos princípios morais, i<strong>de</strong>ias, convenções políticas, num sentido lato – já<br />
bastante antecipados pelo pensamento filosófico e científico – se afundam em estratos<br />
bastante vastos da socieda<strong>de</strong> e se difun<strong>de</strong>m o suficiente para serem consi<strong>de</strong>rados – e que<br />
se diga isto sem qualquer conotação negativa – “lugares comuns”. O teatro está sempre<br />
em “atraso” em relação ao pensamento filosófico e científico, pois enquanto estes<br />
reflectem hipóteses produtivas, antecipações iluminadas <strong>de</strong> uma élite do pensamento,<br />
prontas a enten<strong>de</strong>r e a instalar os primeiros sintomas <strong>de</strong> uma evolução da realida<strong>de</strong>, o<br />
teatro reflecte a mentalida<strong>de</strong> difundida e preeminente da socieda<strong>de</strong> em que se insere; e a<br />
medida do atraso está ligada ao tempo que dura este fenómeno <strong>de</strong> divulgação. Ao dizer<br />
isto, não se quer significar que o autor dramático <strong>de</strong>va necessariamente obe<strong>de</strong>cer à<br />
mentalida<strong>de</strong> dominante, reflectindo-a servilmente; ele até po<strong>de</strong> opor-se-lhe, mas não<br />
po<strong>de</strong> não a ter em consi<strong>de</strong>ração; e isso será sempre evi<strong>de</strong>nte, quanto mais não seja como<br />
força interlocutora ou antagonista.<br />
O teatro <strong>de</strong> Goldoni, com a sua enorme varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambientes, acções,<br />
personagens, interesses, constitui um fresco minucioso da socieda<strong>de</strong> do seu tempo,<br />
capturado no momento em que Veneza – adiantada em relação a todo o calendário<br />
Rua <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Ourique, 120 / 1250 – 062 Lisboa/ Tel: 21 391 67 50<br />
34