ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
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verda<strong>de</strong>. Mente quem o disser”. Não percebe, o infeliz, que teimando assim ele se<br />
entrega, já con<strong>de</strong>nado, ao “processo” que o espera. Na cena coral conclusiva em III, 19,<br />
on<strong>de</strong> Goldoni lembra ter feito (e bem) <strong>de</strong> advogado em Pisa (em 1745 entra na Arcádia,<br />
com o pseudónimo Polisseno Fegejo), atribui a Maddalena-Mirandolina (e parece que<br />
Marliani se <strong>de</strong>stacava aqui) o duplo papel <strong>de</strong> magistrado inquisidor e testemunha. A<br />
estalaja<strong>de</strong>ira admite, pela primeira vez, ter agido com base em “lágrimas” “fingidas”, e<br />
“<strong>de</strong>smaios fingidos”: mas isto não evita que ela confronte Ripafratta com a prova <strong>de</strong><br />
fogo do ciúme: “Se o senhor Cavaleiro me amasse não po<strong>de</strong>ria sofrer que eu fosse <strong>de</strong><br />
um outro...”. Ao sentir-se preterido por um criado, um “patife”, a quem gostaria <strong>de</strong> ter<br />
rachado a cabeça, Ripafratta – com uma tira<strong>de</strong> <strong>de</strong> drama sério, e Goldoni escreveu pelo<br />
menos <strong>de</strong>zoito <strong>de</strong>les – sai <strong>de</strong> cena, cruelmente torturado: “Maldita! Casai com quem tu<br />
quiseres! Sei que me enganaste, sei que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> ti mesma triunfas <strong>de</strong> me haveres<br />
humilhado...”.<br />
Goldoni usa palavras “caras”, <strong>de</strong> tragicomédia, para pintar com cores grotescas a<br />
<strong>de</strong>rrota do misógino: mas, por trás do esforço tonal bem calculado, quer <strong>de</strong>ixar-nos<br />
perceber que não é mau que isto aconteça: apesar <strong>de</strong> tudo, um gentilhomme campagnard<br />
<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um nobre, e não é bom que exceda, ainda por cima para<br />
baixo, os limites da própria classe. Oportuna, ainda que um pouco punitiva, é, pelo<br />
contrário, a escolha <strong>de</strong> Mirandolina que lhe estava <strong>de</strong>stinada pelo seu pai: estamos a<br />
falar <strong>de</strong> Fabrício.<br />
Já há muito (<strong>de</strong>ntro da comédia e das suas sessenta e duas cenas ao longo das<br />
quais se esten<strong>de</strong>m os três actos canónicos) que Goldoni nos leva, quase sem parecer, a<br />
atentarmos em Fabrício: o qual, é bom frisá-lo ao chegarmos a este ponto, está presente,<br />
pelo contrário, muitas e variadas vezes: em <strong>de</strong>z cenas, com várias personagens, nas<br />
quais às vezes aparece Mirandolina; para além <strong>de</strong> quatro cenas em que aparece sozinho<br />
com ela (I, 10; III, 1; III, 3; III, 14). Nesse conjunto <strong>de</strong> cenas, a sua presença, mesmo<br />
quando fugaz, nunca é trivial: pelo contrário, transparece uma espécie <strong>de</strong> ru<strong>de</strong><br />
materialida<strong>de</strong> típica do proletário, atento ao seu interesse (“Fora da terra <strong>de</strong>le, não são as<br />
nobrezas que arranjam as estimas, são as moedas”, a propósito da sovinice do Marquês,<br />
em II, 2) e sensível ao fascínio feminino: “Da Sicília? Sangue ar<strong>de</strong>nte”, diz ele <strong>de</strong><br />
Hortênsia em I, 19; “Não po<strong>de</strong> ver as mulheres? Forte tolo, que não sabe o que é<br />
bom...”, em II, 1, a propósito <strong>de</strong> Ripafratta.<br />
Mas quando está sozinho com Mirandolina, a personagem ganha tons <strong>de</strong><br />
ressentimento, como se tivesse “a pele <strong>de</strong>licada” e houvesse “coisas que não soubesse<br />
sofrer”. É atraído por Mirandolina (“Ela agrada-me”), sente por ela o mesmo afecto dos<br />
humil<strong>de</strong>s (“quero-lhe bem”), que nunca está <strong>de</strong>sligado do interesse: “... a ela juntarei os<br />
meus interesses para todo o tempo da minha vida”. Estamos na cena 10 do primeiro<br />
acto: daqui, que é a primeira cena entre os dois, até “Fabrício, chega-te cá, querido, dáme<br />
a tua mão”, em III, 19, Mirandolina não faz mais do que alimentar-lhe alusões, num<br />
carrossel <strong>de</strong> frases truncadas que fazem inveja ao retórico mais conhecedor: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “mas<br />
a mim é que ninguém me conhece... Basta, Fabrício. Enten<strong>de</strong> o que te digo, se é que<br />
po<strong>de</strong>s.”, em I, 10, até “Engano! Se te pu<strong>de</strong>ra dizer o tudo!”, em III, 1. Ao qual Fabrício<br />
Rua <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Ourique, 120 / 1250 – 062 Lisboa/ Tel: 21 391 67 50<br />
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