ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
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Mas, como se conciliam, na mesma personagem, tanta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e<br />
positivida<strong>de</strong> no comportamento público com uma concepção tão superficial e negativa<br />
nas relações privadas e afectivas? Na minha opinião, a única interpretação possível é<br />
que Mirandolina seja essencialmente uma “estalaja<strong>de</strong>ira” perfeita. A estalagem é o<br />
centro do seu mundo e é o seu único verda<strong>de</strong>iro interesse, e toda a sua cativante<br />
habilida<strong>de</strong> nas relações com os homens é dirigida ao lucro no negócio, à sua volta todos<br />
são entendidos como clientes (Marquês, Con<strong>de</strong>, Cavaleiro) ou como instrumentos e<br />
colaboradores (Fabrício). A disputa fascinante e cortês entre os homens é portanto uma<br />
empresa pura e fria, on<strong>de</strong> a aventura com o Cavaleiro se insere como se fosse umas<br />
férias, ou então, mais exactamente, acolhida como um <strong>de</strong>safio. É verda<strong>de</strong> que daqui<br />
resultará um dano objectivo para a estalagem (pois o Cavaleiro ir-se-á embora<br />
<strong>de</strong>sagradado e Mirandolina terá <strong>de</strong> pedir aos outros dois instrumentos do seu jogo – o<br />
Marquês e o Con<strong>de</strong> – para procurarem outro alojamento), mas isto não contradiz o facto<br />
<strong>de</strong> que ela faz tudo no interesse da sua estalagem, tanto quanto a ruína a que conduz a<br />
se<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Lady Macbeth contradiz o facto <strong>de</strong> que Lady Macbeth estivesse<br />
se<strong>de</strong>nta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A ambição, sabe-se, é perniciosa; e o homem-cliente insensível ao seu<br />
fascínio – e por isso, potencialmente, um cliente incerto – perturba a segurança <strong>de</strong><br />
Mirandolina: é uma fenda na sua satisfação, uma sombra no céu límpido da gestão do<br />
seu negócio, a fonte <strong>de</strong> uma sensação <strong>de</strong> perigo, tal como seria para Ricardo III a<br />
presença dos sobrinhos: por esta ambição, Mirandolina não hesita em per<strong>de</strong>r – não digo<br />
a vida ou o reino – mas claro, três bons clientes.<br />
A prova <strong>de</strong> tudo isto é a absoluta ausência <strong>de</strong> implicações e complicações<br />
sentimentais que caracteriza o comportamento <strong>de</strong> Mirandolina: “Os que correm atrás <strong>de</strong><br />
mim, logo, logo me aborrecem. (...) Casar-me, não penso nisso. (...) Não preciso <strong>de</strong><br />
ninguém. (...) Pratico com todos, não me enamoro <strong>de</strong> nenhum”. É provável que nas<br />
intenções <strong>de</strong> Goldoni estas <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong>vessem garantir ao público a honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Mirandolina e preparar o honesto casamento com Fabrício; mas a realida<strong>de</strong> na página<br />
escrita <strong>de</strong>ixa perceber mais qualquer coisa mais precisa, que com certeza vai para além<br />
das intenções do autor: pelas frases acima mencionadas, por tudo o que ela faz ou diz,<br />
Mirandolina parece mais indiferente que honesta, mais insensível ao fascínio masculino<br />
que <strong>de</strong>srespeitosa <strong>de</strong> si própria, mais frígida que virtuosa.<br />
É completamente provável – repito – que esta “frigi<strong>de</strong>z” não tenha sido<br />
calculada nem querida por Goldoni; mas assim que uma personagem nasce <strong>de</strong> certa<br />
maneira é característico <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> dramaturgo aceitá-la em todas as suas<br />
implicações, <strong>de</strong>senvolvê-la com o rigor <strong>de</strong> um teorema, sem trair – por amor da sua tese<br />
e intenção – a sua íntima e humana coerência. Assim, não é muito importante que<br />
Goldoni tivesse a intenção <strong>de</strong> conduzir Mirandolina incólume por entre tantas disputas<br />
amorosas para <strong>de</strong>pois a fechar, no fim, no amor a Fabrício: a segura e intangível<br />
indiferença com que Mirandolina passa por entre os homens-clientes condu-la, com<br />
absoluta credibilida<strong>de</strong> e coerência, a um casamento “estranho”, ou – melhor –<br />
<strong>de</strong>masiado claro: com um homem-colaborador, ligado aos negócios, suficientemente<br />
Rua <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Ourique, 120 / 1250 – 062 Lisboa/ Tel: 21 391 67 50<br />
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