ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
suprimido na edição <strong>de</strong>finitiva): “Maldita seja a hora em que comecei a olhar para esta<br />
mulher! Caí-lhe no laço! E já não lhe vejo remédio! Nasça quem nascer, daqui não me<br />
vou sem qualquer conforto para a minha paixão. Compro-o a qualquer preço, mesmo a<br />
custo da minha própria vida, e se Mirandolina, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> me ter enamorado <strong>de</strong> tal<br />
maneira, for cruel comigo, juro pelos céus, serei assertivo com ela”. O Cavaleiro está<br />
<strong>de</strong>terminadíssimo a obter um “qualquer conforto” para a sua paixão. Pronto a pagar<br />
(como o Con<strong>de</strong>, riquíssimo ex-burguês), mas pronto também para a violência carnal,<br />
segundo a tradição aristocrática, como nos revela a frase, apenas implícita, “serei<br />
assertivo com ela”.<br />
O terceiro acto, longe <strong>de</strong> ser o triunfo <strong>de</strong> Mirandolina, assinala antes <strong>de</strong> mais a<br />
hora do xeque-mate, da <strong>de</strong>rrota. A comédia <strong>de</strong>veria exaltar a porta-voz da nova classe<br />
social em ascensão, a da burguesia, mas a violência do erotismo surge e quase esmaga o<br />
lugar geométrico da proprieda<strong>de</strong> burguesa. Aquilo que salva Mirandolina, in extremis, é<br />
que os conquistadores da estalagem discutem uns com os outros. O Cavaleiro não<br />
consegue dar seguimento à sua própria pulsão violenta. Não conseguiu arrombar a<br />
porta, e agora “arromba para satisfazer um <strong>de</strong>sejo a bainha da espada”, mas não chega<br />
a <strong>de</strong>sembainhar a espada. Quando finalmente o faz, <strong>de</strong>scobre que se trata apenas <strong>de</strong><br />
“meia lâmina”. É a lei <strong>de</strong> talião para um violador mal sucedido. Resta-lhe a violência<br />
verbal, o direito que se arroga <strong>de</strong> tutoyer Mirandolina na blasfémia final (“Maldita!<br />
Casai com quem quiseres”).<br />
A humilhação do Cavaleiro não nos <strong>de</strong>ve cegar ao ponto <strong>de</strong> não nos fazer ver a<br />
<strong>de</strong>rrota <strong>de</strong> Mirandolina, a sua cedência. Fabrício esteve sempre presente, como hipótese<br />
matrimonial, claro, mas também como solução <strong>de</strong> recurso, faute <strong>de</strong> mieux. Fabrício é a<br />
sua trincheira na retaguarda. Ainda em III, 3, está <strong>de</strong>scaradamente pronta a elogiar o seu<br />
jogo duplo, quando <strong>de</strong>volve ao Cavaleiro o presente do frasquinho <strong>de</strong> ouro (fazendo crer<br />
a Fabrício que o fez por amor a si): “Também esta é boa! Arranjo crédito com Fabrício<br />
por ter recusado o frasquinho <strong>de</strong> ouro do Cavaleiro! É a isto que se chama saber viver,<br />
saber agir, saber <strong>de</strong> tudo tirar proveito, com boas graças, com <strong>de</strong>coro, com um pouco <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvoltura!” Mirandolina teoriza a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> “saber <strong>de</strong> tudo tirar proveito”;<br />
confessa aquilo que é, uma aproveitadora. É apenas o pesa<strong>de</strong>lo daquilo que se<br />
<strong>de</strong>senrola na sala <strong>de</strong> três portas que a empurra para os braços <strong>de</strong> Fabrício, que po<strong>de</strong>rá<br />
significar, provavelmente, um redimensionamento da sua <strong>de</strong>sembaraçada prática <strong>de</strong><br />
estalaja<strong>de</strong>ira com nobres e outras personalida<strong>de</strong>s. Embora seja evi<strong>de</strong>nte que é<br />
Mirandolina sempre a manter o fio do discurso. Fabrício, perante a <strong>de</strong>cisão da mulher,<br />
procura ganhar tempo, reflectir (“A mão? Devagar, senhora”), mas inutilmente:<br />
MIRANDOLINA (...) Este é o meu marido...<br />
FABRÍCIO Devagar, senhora...<br />
MIRANDOLINA Qual <strong>de</strong>vagar! O que é? Qual é a dificulda<strong>de</strong>? Vá! A mão!<br />
FABRÍCIO Gostaria <strong>de</strong> primeiro fazer o nosso pacto.<br />
Rua <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Ourique, 120 / 1250 – 062 Lisboa/ Tel: 21 391 67 50<br />
48