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ARTISTAS UNIDOS - Companhia de Teatro de Almada

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abstracto da mulher sedutora, sabe perfeitamente: o instinto <strong>de</strong> classe é a base da sua<br />

escolha final.<br />

Mas também por isto, Mirandolina força a própria aposta, no terceiro acto,<br />

quando quer obrigar o Cavaleiro a confessar, à frente <strong>de</strong> todos, a sua <strong>de</strong>rrota. Não se<br />

trata <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong>, nem <strong>de</strong> rivalida<strong>de</strong> social (que, contudo, existem), mas sim da<br />

conclusão teatral certa, naquele espaço cénico em que a estalagem se tornou: remetendo<br />

o Cavaleiro à sua filosofia inconsequente e básica, ela não apenas triunfa à frente dos<br />

outros, ela obriga o Cavaleiro a falar, a <strong>de</strong>smentir a filosofia, a <strong>de</strong>clarar o seu carácter<br />

inconsequente, a sua consistência unicamente verbal, à frente do público da estalagem.<br />

A superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mirandolina sobre o Cavaleiro não é <strong>de</strong> natureza moral, mas<br />

intelectual. Ao contrário <strong>de</strong>la, o Cavaleiro não quer “reconhecer-se”, e assim não<br />

reconhecerá o carácter, possível e potencialmente revelador para ele, do próprio<br />

enamoramento. Basicamente irresponsável, passa, durante toda a aventura, por excessos<br />

verbais, mistificações inconsequentes, que vão da cólera funambulesca à súplica<br />

melodramática: quando Mirandolina, perturbada, lhe pergunta “Que quereis <strong>de</strong> mim?”,<br />

ele respon<strong>de</strong>, vencido, “Amor, compaixão, pieda<strong>de</strong>” (III, VI). “Um homem que ainda<br />

hoje pela manhã não podia ver mulheres, implora agora amor e pieda<strong>de</strong>?”, respon<strong>de</strong><br />

Mirandolina, remetendo-o para a sua “retórica” fantasiosa. Mesmo no fim, mesmo<br />

quando já não po<strong>de</strong> fazer outra coisa senão escolher ser uma personagem que se prova<br />

estar no mundo sem o conhecer e sem se conhecer. É esta a dura e verda<strong>de</strong>ira lição final<br />

<strong>de</strong> Mirandolina: o <strong>de</strong>smascaramento da retórica, da “presunção” <strong>de</strong> que falará Goldoni<br />

no Prefácio.<br />

Bastam estas cenas para mostrar como Goldoni está a preparar, nestes anos, um<br />

teatro mais simples e <strong>de</strong>spido, com personagens e talvez com novas máscaras (po<strong>de</strong>mos<br />

dizer) fortemente tipificadas, carregadas <strong>de</strong> uma forte carga simbólica, e por isso<br />

capazes <strong>de</strong> exprimir uma visão “crítica” mais complexa, em relação a uma socieda<strong>de</strong> em<br />

<strong>de</strong>clínio e sem alternativas claras. Talvez se possa compreen<strong>de</strong>r, então, por que razão A<br />

Estalaja<strong>de</strong>ira é uma comédia muito revisitada e nunca esgotada: ela revela claramente,<br />

e ao mesmo tempo problematiza, o núcleo essencial do melhor teatro <strong>de</strong> Goldoni:<br />

constituído por um tecido intrincado <strong>de</strong> relações sociáveis, on<strong>de</strong> as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada<br />

grupo social não excluem (pelo contrário), o recorrente imprevisto do comércio<br />

quotidiano dos indivíduos. As personagens, no fundo condicionadas pelo próprio<br />

estatuto social, só no momento <strong>de</strong> contacto com as outras é que nascem realmente: no<br />

teatro (e po<strong>de</strong>remos dizer, na vida, dada a constância sistemática, digna <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong><br />

filósofo empirista, que Goldoni consegue obter no seu estudo <strong>de</strong> comportamentos<br />

intersubjectivos; <strong>de</strong> modo que as personagens parecem não existir fora da cena on<strong>de</strong><br />

acontecem tais relações). Neste encontro <strong>de</strong> lógica e surpresa, <strong>de</strong> inevitável e<br />

imprevisto, Goldoni chega a uma limpeza cénica que po<strong>de</strong> parecer superficial, mas que<br />

nunca esgota a sua própria lição. A Estalaja<strong>de</strong>ira, neste sentido, ainda é exemplar.<br />

NB.: Todas as transcrições do Prefácio – Do Autor a Quem Ler e A Estalaja<strong>de</strong>ira são <strong>de</strong> Jorge<br />

Silva Melo, Carlo Goldoni, Peças Escolhidas, volume 1. Cotovia, 2008.<br />

Rua <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Ourique, 120 / 1250 – 062 Lisboa/ Tel: 21 391 67 50<br />

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