B. Horto do Esposo - Universidade Aberta
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mari<strong>do</strong> que estava com ela, e também ele comeu. Então abriram-se os olhos aos <strong>do</strong>is, e eles<br />
perceberam que estavam nus. Entrelaçaram folhas de figueira e fizeram tangas. 9<br />
Questiona<strong>do</strong> por Deus face ao facto de estar nu, o homem, como justificação,<br />
respondeu: «A mulher que me deste por companheira deu-me o fruto, e eu comi» 10 . De<br />
facto, a sua argumentação remeteu para Deus a responsabilidade de ter cria<strong>do</strong> a mulher que<br />
o enganou, uma vez que a confiança que depositara nela surgiu como uma desculpa pelo<br />
facto de não ter questiona<strong>do</strong> a origem <strong>do</strong> fruto, demonstran<strong>do</strong>, assim, falta de<br />
discernimento e de curiosidade, pois limitou-se a agir de acor<strong>do</strong> com a vontade da<br />
mulher 11 . No entanto, quan<strong>do</strong> a mulher foi confrontada por Deus («Javé Deus disse à<br />
mulher: «Que fizeste?» 12 ), apresentou uma argumentação em que assumiu ter si<strong>do</strong><br />
enganada pela serpente («A mulher respondeu: «A serpente enganou-me, e eu comi» 13 ),<br />
revela<strong>do</strong>ra da consciência <strong>do</strong>s seus actos, por ter confia<strong>do</strong> e, consequentemente, ter comi<strong>do</strong><br />
o fruto proibi<strong>do</strong>. Como castigo, Deus disse à mulher: «Vou fazer-te sofrer muito na tua<br />
gravidez: entre <strong>do</strong>res, darás à luz os teus filhos; a paixão vai arrastar-te para o mari<strong>do</strong>, e ele<br />
te <strong>do</strong>minará» 14 , ou seja, à mulher só lhe restava o sofrimento: a <strong>do</strong>r física devi<strong>do</strong> à gravidez<br />
e parto e a <strong>do</strong>r espiritual como consequência da paixão, sentimento que a levará a uma<br />
situação de subjugação. De facto, a história da transgressão cometida por Eva e por Adão,<br />
mereceu, ao longo <strong>do</strong>s séculos, diferentes interpretações que responsabilizaram Adão,<br />
culparam Eva, ou o diabo, e associaram a desobediência ao peca<strong>do</strong> sexual 15 .<br />
A propósito da curiosidade de Eva, não podemos deixar de a relacionar com a<br />
tradição greco-latina e a figura de Pan<strong>do</strong>ra:<br />
Uma outra versão sobre o aparecimento de Pan<strong>do</strong>ra diz-nos que a fonte originária<br />
de todas as desgraças não foi propriamente a sua natureza perversa, mas apenas a sua<br />
curiosidade. Os deuses ter-lhe-iam ofereci<strong>do</strong> também uma caixa em que haviam guarda<strong>do</strong><br />
9<br />
Ibidem, 3, 6-7.<br />
10<br />
Génesis, 3, 12.<br />
11<br />
Em relação à desobediência e de acor<strong>do</strong> com Santo Agostinho: «Adão e Eva desobedeceram porque já<br />
tinham o mal no espírito; a sua vontade foi a primeira a ser infectada, por sugestão <strong>do</strong> diabo, «pois nunca<br />
teriam cometi<strong>do</strong> o mau acto se um mal não o tivesse precedi<strong>do</strong>. E que outra coisa, senão o orgulho, teria<br />
podi<strong>do</strong> engendrar a má vontade? Pois, na verdade, o orgulho é a origem de to<strong>do</strong> o peca<strong>do</strong>.», Georges Minois,<br />
As origens <strong>do</strong> mal…, p.77.<br />
12<br />
Génesis, 3, 13.<br />
13<br />
Ibidem, 3, 13.<br />
14<br />
Ibidem, 3, 16.<br />
15<br />
Georges Minois refere a existência de teólogos que «obceca<strong>do</strong>s pelo peca<strong>do</strong> da carne, estão persuadi<strong>do</strong>s<br />
que o peca<strong>do</strong> original só pôde ser sexual e contam as vilezas de Adão e Eva sob o olhar lúbrico da voluptuosa<br />
serpente.», As origens <strong>do</strong> mal…, p.63.<br />
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