B. Horto do Esposo - Universidade Aberta
B. Horto do Esposo - Universidade Aberta
B. Horto do Esposo - Universidade Aberta
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
2. Pecar na Idade Média: peca<strong>do</strong>s de mulheres enuncia<strong>do</strong>s nas Constituições<br />
Sinodais e livros de penitenciais medievais – que mentalidade?<br />
som a egreja, que em no primeiro esta<strong>do</strong> foi mui sancta em<br />
nos apostolos e em nos marteres e em nos confessores e<br />
virgẽes, e por em soo assi fremosa em na parte deanteira e<br />
assi apostada. Mais agora em este tempo derredeiro, som<br />
ençujada e fea e corrupta e chea de desonra pelos maos<br />
prela<strong>do</strong>s, e por em pareço assi podre da parte de tras.<br />
<strong>Horto</strong> <strong>do</strong> <strong>Esposo</strong><br />
Na Idade Média, a noção de peca<strong>do</strong> fazia parte da vida das pessoas, condicionan<strong>do</strong><br />
comportamentos priva<strong>do</strong>s e principalmente os religiosos. Ao iniciarmos o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
peca<strong>do</strong>s enuncia<strong>do</strong>s nas Constituições Sinodais e livros de penitenciais medievais,<br />
questionámo-nos acerca <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como a Idade Média olhava os peca<strong>do</strong>s cometi<strong>do</strong>s por<br />
homens leigos e clérigos e, em particular, por mulheres. Assim, havia peca<strong>do</strong>s apenas<br />
cometi<strong>do</strong>s por mulheres e que se individualizavam <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s homens? Estavam os<br />
peca<strong>do</strong>s de mulheres enuncia<strong>do</strong>s nos síno<strong>do</strong>s e penitenciais mais dirigi<strong>do</strong>s para a carne ou<br />
para o espírito? De acor<strong>do</strong> com o historia<strong>do</strong>r Jacques Le Goff 23 , com o cristianismo surgiu<br />
a ligação entre a carne e o peca<strong>do</strong> e a expressão «peca<strong>do</strong> da carne» 24 não era<br />
frequentemente utilizada durante o perío<strong>do</strong> da Idade Média, apesar de nesta época se<br />
recorrer à Bíblia para «justificar a repressão de grande parte das práticas sexuais.» 25 .<br />
Assim, e em relação aos peca<strong>do</strong>s da carne, para o historia<strong>do</strong>r Jacques Le Goff:<br />
o cristianismo antigo fala mais frequentemente de uma diversidade de peca<strong>do</strong>s da carne que<br />
de um só peca<strong>do</strong> da carne. A unificação da reprovação da sexualidade faz-se à volta de três<br />
noções: 1) a de fornicação, que aparece no Novo Testamento e será consagrada, sobretu<strong>do</strong> a<br />
partir <strong>do</strong> século XIII, pelo sexto mandamento de Deus: «Não fornicarás», designan<strong>do</strong> assim<br />
to<strong>do</strong>s os comportamentos sexuais ilegítimos (mesmo no seio <strong>do</strong> casamento); 2) a de<br />
23 Cf. Jacques Le Goff, «A rejeição <strong>do</strong> prazer», in Amor e Sexualidade no Ocidente, Georges Duby, Philippe<br />
Ariès e Jean Bottero, Lisboa, Terramar, 1992, pp.192-193.<br />
24 Ainda segun<strong>do</strong> Le Goff: «o sistema <strong>do</strong>s sete peca<strong>do</strong>s capitais veio instaurar a tão longamente irrealizada<br />
unificação <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s da carne: o peca<strong>do</strong> da carne tinha já um nome genérico – luxúria. Claro que raramente<br />
a luxúria era posta à cabeça <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s mortais – ao contrário <strong>do</strong> orgulho (superbia) e da avareza (avaritia),<br />
que disputavam entre si o primeiro lugar. Mas tinha uma outra supremacia. No lugar-comum das filhas <strong>do</strong><br />
Diabo – essas personificações <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s que Satanás casava com os homens acasalan<strong>do</strong> cada uma com<br />
uma categoria social –, a luxúria é uma prostituta que Satanás «oferece a to<strong>do</strong>s». […] O peca<strong>do</strong> da carne<br />
tinha, na terra como no Inferno, o seu território.», O Imaginário Medieval, Lisboa, Editorial Estampa, 1994,<br />
p.167.<br />
25 Idem., «A rejeição…», pp.192-193.<br />
10