B. Horto do Esposo - Universidade Aberta
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denominada de «adulterinha» e «forniqueira», («a maa molher que leixa seu esposo ou<br />
mari<strong>do</strong> e se uay cõ outro he chamada adulterinha, e forniqueira» 117 ).<br />
Como consequência <strong>do</strong> adultério das mulheres, encontramos outros peca<strong>do</strong>s, como,<br />
por exemplo, a mentira 118 que a mulher adúltera utilizava quan<strong>do</strong> engravidava fora <strong>do</strong><br />
casamento 119 e apresentava o filho como se fosse <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> 120 , sen<strong>do</strong> assim responsável<br />
por esse filho vir a herdar bens que não eram seus por direito; não poder ser clérigo («ca<br />
fijo de adulterio non puede ser clerigo.» 121 ) e poder vir a casar com parentes da parte <strong>do</strong><br />
verdadeiro pai, («si quisiere casar, podra casar con parienta o con cuñada de parte del<br />
padre» 122 ). Os filhos indeseja<strong>do</strong>s eram também vítimas de abortos ou de infanticídios 123 ,<br />
que constituíam infracções ao quinto mandamento: não matarás. No Libro de las<br />
117<br />
Ibidem, p.89.<br />
118<br />
Fernão Lopes reflecte sobre os filhos que não são <strong>do</strong>s mari<strong>do</strong>s e refere como a Rainha <strong>do</strong>na Leonor<br />
enjeitou um eventual filho de seu mari<strong>do</strong> com uma mulher casada: «Aimda mais venho a outra rrazom, posto<br />
que mimgua aqui nom faça; e digo, que toda molher que he emfamada que faz malldade a seu mari<strong>do</strong>, e desto<br />
he pubrica voz e fama, que os filhos que della naçem, o dereito presume e ha por sospeitos, que podem seer<br />
nom de seu mari<strong>do</strong>; ca pois ella com <strong>do</strong>us <strong>do</strong>rme, mui mall sera çerta de quall delles emprenha. E per esta<br />
rregra fez hũa vez a Rainha <strong>do</strong>na Lionor a elRei <strong>do</strong>m Fernam<strong>do</strong>, que nom tomou por seu filho huũ cachopo<br />
que pario hũa molher casada com que elle <strong>do</strong>rmira, o quall ell ja tomava, sem poer mais duvida, cuidam<strong>do</strong><br />
pouco em tall cousa; e a Rainha que neeste feito era mais sages, pregumtou a molher por o tempo que ouvera<br />
da <strong>do</strong>rmida de seu mari<strong>do</strong> com ella, ataa que elRei com ella jumtara; e achou que fora tam pouco espaço, que<br />
nõ avia poder de seer çerta cujo era aquell filho, e desta guisa lho fez emgeitar», Fernão Lopes, Crónica del<br />
Rei Dom João I de boa memória e <strong>do</strong>s Reis de Portugal o décimo, (org. Anselmo Braamcamp Freire), Parte<br />
Primeira, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1977, p.349. Interessante a crítica que Fernão Lopes<br />
também faz à Rainha <strong>do</strong>na Leonor, que tinha a fama de não ser leal a seu mari<strong>do</strong> e de, consequentemente, a<br />
filha poder não ser de seu mari<strong>do</strong>, o rei <strong>do</strong>m Fernan<strong>do</strong>, e vir a herdar bens que não seriam dela por direito:<br />
«pois que o dereito a tem por sospeita, por seer filha de madre nom casta. Ca nom devemos nos tomar por<br />
herdeira, pessoa duvi<strong>do</strong>sa que rreine sobre nos, mas muito çerta e sem sospeita; pois como faremos nos çerto,<br />
o que o dereito ha por inçerto?», ibidem, p.349.<br />
119<br />
Encontramos, na poesia trova<strong>do</strong>resca, cantigas de escárnio e de maldizer em que a figura <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> traí<strong>do</strong>,<br />
que cria o filho <strong>do</strong> amante, é ridicularizada, como se verifica na cantiga de Pero da Ponte, (Lapa 357): «E vós<br />
mentes non metedes, / se ela filho fezer, / andan<strong>do</strong>, como veedes, / con algun peon qual quer, / à qual tempo<br />
vemos já, / alguen vos sospeitará / que no filho part’ avedes?», M. R. Lapa, Cantigas D’Escarnho…, p.529;<br />
de Airas Perez Vuitoron (Lapa 76): «E, Don Bernal<strong>do</strong>, se o non sabedes, / quero-vos eu dizer quant’end’oí:<br />
/molher tragedes, com’eu aprendi, / que vos foden, e de que ficaredes / con mal escarnho, se vos emprenhar /<br />
dalgun rapaz e vos depois leixar / filho <strong>do</strong>utro, que por vosso criedes.», ibidem, p.127, e de Joan Garcia de<br />
Guilhade (Lapa 212): «E já me nunca temerá, / ca sempre me tev’ en desden; / des i ar quer sa molher ben / e<br />
já sempr’ i filhos fará; / si quer três filhos que fiz i, / filha-os to<strong>do</strong>s pers si: o Demo lev’o que m’en dá!»,<br />
ibidem, p.324.<br />
120<br />
O Síno<strong>do</strong> de D. João Afonso Esteves de Azambuja, 13 de Janeiro de 1403, (Síno<strong>do</strong>s de Lisboa), na<br />
constituição 3, apresenta-nos a mesma situação: «aquellas que ouveram filhos <strong>do</strong>utrem e nom de seus mari<strong>do</strong>s<br />
e dan-nos a seus mari<strong>do</strong>s por seus filhos e fazen-nos ser herdeiros em prejuizo <strong>do</strong>s filhos liidimos.», p.321.<br />
121<br />
M. Pérez, Libro…, p.67.<br />
122<br />
Ibidem, p.67.<br />
123<br />
Georges Duby, a propósito de infanticídio, refere que em Decretum, <strong>do</strong> bispo Burchar<strong>do</strong> de Worms, <strong>do</strong><br />
século XI, o confessor deveria perguntar: «Fizeste o que certas mulheres têm o costume de fazer quan<strong>do</strong><br />
fornicam e querem matar o que trazem? Actuam para expulsar o feto da matrix, seja com malefícios seja com<br />
ervas. Assim matam e expulsam o feto ou, se ainda não conceberam, fazem o que for preciso para não<br />
conceber […] Foi por pobreza, por dificuldade em alimentar a criança, ou por fornicação e para esconder o<br />
peca<strong>do</strong>? […] Mataste voluntariamente o teu filho ou a tua filha? […] deixaste-o morrer por negligência? […]<br />
Asfixiaste o teu filho sem querer com o peso da tua roupa […] Encontraste-o asfixia<strong>do</strong> perto de ti na cama<br />
onde te deitas com o teu homem?», As Damas <strong>do</strong> Séc. XII, 3. Eva e os Padres, pp.25-26.<br />
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