B. Horto do Esposo - Universidade Aberta
B. Horto do Esposo - Universidade Aberta
B. Horto do Esposo - Universidade Aberta
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
procurou, ao longo <strong>do</strong>s séculos, secundarizar o seu papel, controlar e manipular o seu<br />
comportamento e punir os seus peca<strong>do</strong>s. Por exemplo, quan<strong>do</strong> confrontada com o poder<br />
crescente, a autoridade e os privilégios de algumas mulheres nos conventos e mosteiros,<br />
durante o século XII, esta sociedade reagiu, invocan<strong>do</strong> imediatamente a natureza inferior<br />
da mulher como pretexto para lhes retirar uma influência e certos direitos vistos como uma<br />
ameaça à ordem instituída:<br />
Para justificar a subtracção ou limitação drástica da liberdade, autoridade e<br />
privilégios que as mulheres vinham conquistan<strong>do</strong> nos conventos e mosteiros, teólogos e<br />
clero aliaram-se na exumação <strong>do</strong>s antigos tabus sobre a natureza inferior da mulher, a sua<br />
propensão para pecar e induzir os homens a pecar, e a sua “impureza” contamina<strong>do</strong>ra […]<br />
Os teólogos mais influentes <strong>do</strong> século XIII, sobretu<strong>do</strong> Alberto Magno (c.1200-1280) e<br />
Tomás de Aquino (1225-1274), retomaram os comentários <strong>do</strong>s Doutores da Igreja sobre a<br />
natureza da mulher, a sua criação a partir da costela de Adão e a sua culpa pela Queda<br />
Original, com o intuito de reiterar a sua inferioridade espiritual, física e ética. Nos seus<br />
trata<strong>do</strong>s e sermões, os escolásticos insistiam na natureza inferior da mulher e na sua<br />
incapacidade para assumir funções masculinas na Igreja. 31<br />
Assim, retomaram-se velhos mitos com o objectivo de controlar as suas<br />
capacidades 32 , numa sociedade que reprimia e anulava as aptidões da mulher 33 , que<br />
30 A submissão da mulher ao mari<strong>do</strong> surge na exortação <strong>do</strong> Apóstolo S. Paulo que, na Bíblia, incita as<br />
mulheres a obedecerem e a submeterem-se ao <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s mari<strong>do</strong>s, como se verifica através <strong>do</strong> exemplo:<br />
«Mulheres, sede submissas aos vossos mari<strong>do</strong>s, pois assim convém a mulheres cristãs.», Colossenses, 3, 18.<br />
Em 1 Coríntios: «Que as mulheres fiquem caladas nas assembleias, como se faz em todas as Igrejas <strong>do</strong>s<br />
cristãos, pois não lhes é permiti<strong>do</strong> tomar a palavra. Devem ficar submissas, como diz também a Lei. Se<br />
desejam instruir-se sobre algum ponto, perguntem aos mari<strong>do</strong>s em casa; não é conveniente que a mulher fale<br />
nas assembleias.», 14, 34-35. A submissão da mulher é ainda referida em 1 Timóteo: «Durante a instrução, a<br />
mulher deve ficar em silêncio, com toda a submissão. Eu não permito que a mulher ensine ou <strong>do</strong>mine o<br />
homem. Portanto, que ela permaneça em silêncio. Porque primeiro foi forma<strong>do</strong> Adão, depois Eva. E não foi<br />
Adão que foi seduzi<strong>do</strong>, mas a mulher que, seduzida, pecou. Entretanto, ela será salva pela sua maternidade,<br />
desde que permaneça com modéstia na fé, no amor e na santidade.», 2, 11-15.<br />
31 M. Z. Gonçalves de Abreu, O Sagra<strong>do</strong> …, pp.169-170.<br />
32 Sobre este assunto, ver a opinião de Anne Carr: «Os estereótipos sexuais que servem para classificar as<br />
mulheres, como sejam a passividade, a ausência de racionalidade, a má organização, a incapacidade para o<br />
trabalho intelectual e para o coman<strong>do</strong>, estão muitas vezes enraiza<strong>do</strong>s em concepções religiosas difíceis de<br />
suplantar. Os teólogos da Antiguidade e da Idade Média elaboraram um conjunto de dualismos segun<strong>do</strong> os<br />
quais era suposto que as mulheres representavam a matéria por oposição ao espírito (masculino), o corpo à<br />
alma, a emoção à razão ou à inteligência. Estes dualismos dividiam a integridade da pessoa humana;<br />
desembocaram na distinção <strong>do</strong>s tempos modernos, entre as virtudes brandas <strong>do</strong> lar, <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio priva<strong>do</strong>, e as<br />
virtudes rudes <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio público <strong>do</strong>s homens, entre «natureza» e «cultura». Estas concepções, muitas vezes<br />
consagradas na Igreja através de textos oficiais e sermões, encorajam uma dicotomia entre o que cabe<br />
respectivamente ao público e ao priva<strong>do</strong>; atribuem um «lugar» muito limita<strong>do</strong> às mulheres no interior de um<br />
«mun<strong>do</strong>» masculino mais vasto; o lar funciona aqui como um porto, e a mulher como um anjo que protege o<br />
seu acesso contra as duras realidade <strong>do</strong>s negócios e da política.», A Mulher na Igreja, Circulo de Leitores,<br />
1994, p.33.<br />
12