B. Horto do Esposo - Universidade Aberta
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seja per ellas corrompi<strong>do</strong> e aviola<strong>do</strong>»), enquanto instituição, e de provocar danos<br />
(«usos e gastos illicitos») e escândalos, nomeadamente às esposas legítimas 76 que eram<br />
aban<strong>do</strong>nadas pelos mari<strong>do</strong> («serem desemparadas»), fican<strong>do</strong> deste mo<strong>do</strong> sem sustento:<br />
Item, teen<strong>do</strong> certa emformaçam como nesta cidade principalmente e assi no bispa<strong>do</strong> vivem<br />
muitas molheres solteiras, as quaes, pospon<strong>do</strong> sua fama e consciencia, nom soomente sam<br />
contentes de pecar com algũus homẽs solteiros, mas escolhem teer parte com os<br />
casa<strong>do</strong>s e folgam de dar aazo como o santo matrimonio seja per ellas corrompi<strong>do</strong> e<br />
aviola<strong>do</strong> a qual cousa nom soomente ante Deus hé mui grave e dina de muita pena,<br />
mas ao mun<strong>do</strong> traz grandes danos e escandallos, porque continuamente veemos muitas<br />
honestas e boas molheres por causa destas mancebas serem desemparadas de seus<br />
mari<strong>do</strong>s, e nom soo as leixam quanto ao corpo mas ainda quanto aa fazenda, a qual<br />
com suas barregãas em usos e gastos illicitos despendem, esquecen<strong>do</strong>sse de quanto<br />
amor e obrigaçam devem teer a suas molheres por seer o matrimonio sacramento feito<br />
per Nosso Senhor. 77<br />
Apesar de os clérigos barregueiros serem, em alguns casos, penaliza<strong>do</strong>s com<br />
multas e o cárcere, verificamos que as suas mulheres sofreram penas que podiam ser<br />
bem mais pesadas e que as marginalizaram da sociedade em que viviam. De um mo<strong>do</strong><br />
geral, a mulher peca<strong>do</strong>ra, (manceba, concubina ou barregã), foi discriminada por uma<br />
sociedade clerical que, a partir <strong>do</strong> momento em que decidiu proibir a sua existência,<br />
não deixou de as perseguir e punir. De facto, estas mulheres foram penalizadas com<br />
ameaças de excomunhão e o pagamento de multas, com o cárcere e a expulsão, quer da<br />
vida <strong>do</strong>s clérigos, com quem viviam (eram lançadas fora de suas casas), quer da<br />
comunidade onde estavam inseridas, sen<strong>do</strong> igualmente segregadas depois de mortas,<br />
pois a sua sepultura era impedida em terrenos da Igreja. Eram, de facto, penas duras<br />
que tornavam estas mulheres em exemplos a não seguir e, deste mo<strong>do</strong>, a Igreja<br />
transmitia a imagem de estar a controlar uma situação que, apesar das penalizações e<br />
perseguições atribuídas aos clérigos e às barregãs, se manteve durante a Idade Média.<br />
76 Segun<strong>do</strong> Ana Rodrigues Oliveira, a barregania até era tolerada em certas circunstâncias: «Parece assim<br />
problemático aplicar a noção de ilegitimidade numa sociedade em que a barregania, como adultério<br />
controla<strong>do</strong>, era uma prática habitual não só entre a nobreza como também nos grupos não privilegia<strong>do</strong>s e<br />
mesmo, no próprio estamento eclesiástico. Embora a barregania ou mancebia fosse considerada ilícita e<br />
pecaminosa pela moral eclesiástica, ela era tolerada na legislação de Afonso X, apresentan<strong>do</strong>-se como mal<br />
menor que evitava a poligamia, se bem que se devesse sujeitar a determinadas normas, sen<strong>do</strong> uma delas a da<br />
não promiscuidade com mulheres vilãs, não fidalgas.», As Representações da Mulher na Cronística Medieval<br />
Portuguesa, (sécs. XII a XIV), Cascais, Patrimonia Historica, 2000, p.249.<br />
77 Síno<strong>do</strong> de D. Diogo de Sousa, 24 de Agosto de 1496, pp.389-390.<br />
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