O JOGO DA CAPOEIRA NO CONTEXTO ANTROPOLÓGICO E ...
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Para Mauss (1974, p.199),<br />
quando uma geração passa à outra geração a ciência de seus gestos e de<br />
seus atos manuais, há tanta autoridade e tradição social quanto quando a<br />
transmissão se faz pela linguagem.<br />
Assim Mauss descreve em sua obra técnicas corporais da marcha, do andar e<br />
do correr, das posições das mãos segundo algumas culturas (Mauss, 1974, p. 213-214);<br />
disto, encontra-se uma similaridade de coisas e situações observadas na cultura dos<br />
negros brasileiros ou brasileiros de origem africana. Por exemplo, uma das formas do<br />
negro brasileiro caminhar pode ser descrito assim: passos largos, acentuação da lordose<br />
lombar projetando o quadril, ombros caídos, grande balancear dos braços e dos quadris,<br />
exagerada inclinação lateral do tronco e da cabeça a cada passada. Este caminhar,<br />
preconceituosamente, é confundido com o caminhar do desordeiro, associando o negro à<br />
malandragem e o malandro ao marginal. Esta idéia é tão verdadeira que alguns<br />
adolescentes urbanos tentam se passar por “malandros” assumindo esta forma de andar<br />
(Rodrigues, 1987). Além desses, é possível citar outros exemplos de gestos em que se<br />
encontra marcadamente a presença de elementos da cultura negra, a capoeira é apenas<br />
um desses símbolos.<br />
De criação negra, a capoeira, assim como toda prática social, tem uma tradição<br />
que é passada às gerações por meio de símbolos. A tradição oral é a mais conhecida e<br />
valorizada, porém essas práticas sociais podem ser transmitidas pela oralidade e também<br />
pelo próprio movimento como expressões simbólicas de valores aceitos por esse grupo<br />
ou tribo. Quem transmite, acredita e pratica aquele gesto, quem recebe, aprende e passa<br />
a imitar aquele movimento – o que garante eficácia ao gesto. É devido à eficácia das<br />
técnicas corporais que Mauss concebe que os símbolos do andar, da postura, das<br />
técnicas esportivas são do mesmo gênero que os símbolos religiosos, rituais, morais, etc..<br />
Os rituais nas sociedades complexas ou simples servem para promover a<br />
identidade social e construir seu caráter. Segundo DaMatta (1997, p.29), “É como se o<br />
domínio do ritual fosse uma região privilegiada para se penetrar no coração cultural de<br />
uma sociedade, na sua ideologia dominante e no seu sistema de valores”. O ritual é um<br />
elemento importante tanto porque transmite e reproduz valores, mas principalmente<br />
porque é um instrumento de lapidação desses valores – isso porque permite que as<br />
pessoas tomem consciência de certas cristalizações sociais mais profundas que a própria<br />
sociedade ou tribo deseja situar como parte de seus ideais “eternos”.<br />
Enfatiza-se mais uma vez a importância de entender que, nas sociedades<br />
contemporâneas, os elementos e símbolos culturais estão sempre se ressignificando, pois<br />
segundo Mauss, a tradição consiste em um conteúdo que está presente numa “memória<br />
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