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TEORIA DA LITERATURA II - Universidade Castelo Branco

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32<br />

O meritíssimo dr. Siqueira, juiz aposentado, respeitável<br />

e probo cidadão, de lustrosa e erudita careca, explicoume<br />

tratar-se de um lugar-comum, ou seja, coisa tão<br />

clara e sabida a ponto de transformar-se num<br />

provérbio, num dito de todo mundo. Com sua voz<br />

grave, de inapelável sentença, acrescentou curioso<br />

detalhe: não só a verdade está no fundo de um poço,<br />

mas lá se encontra inteiramente nua, sem nenhum véu<br />

a cobrir-lhe o corpo, sequer as partes vergonhosas.<br />

No fundo do poço e nua.<br />

O dr. Alberto Siqueira é o cimo, o ponto culminante da<br />

cultura nesse subúrbio de Periperi onde habitamos. É<br />

ele quem pronuncia o discurso do Dois de Julho na<br />

pequena praça e o de Sete de Setembro no Grupo<br />

Escolar, sem falar noutras datas menores e em brindes<br />

de aniversário e batizado. Ao juiz devo muito do pouco<br />

que sei, a essas conversas noturnas no passeio de<br />

sua casa; devo-lhe respeito e gratidão. (...) No entanto,<br />

por mais que ele me explique tratar-se apenas de um<br />

provérbio popular, muitas vezes encontro-me a pensar<br />

nesse poço, certamente profundo e escuro, onde foi a<br />

verdade esconder sua nudez, deixando-nos na maior<br />

das confusões, a discutir a propósito de um tudo ou<br />

de um nada, causando-nos a ruína, o desespero e a<br />

guerra.<br />

Poço não é poço, fundo de um poço não é o fundo de<br />

um poço, na voz do provérbio isso significa que a<br />

verdade é difícil de revelar-se, sua nudez não se exibe<br />

na praça pública ao alcance de qualquer mortal. Mas é<br />

o nosso dever, de todos nós, procurar a verdade de<br />

cada fato, mergulhar na escuridão do poço até<br />

encontrar sua luz divina.<br />

“Luz divina” é do juiz, como aliás todo o parágrafo<br />

anterior. Ele é tão culto que fala em tom de discurso,<br />

gastando palavras bonitas, mesmo nas conversas<br />

familiares com sua digníssima esposa, dona Ernestina.<br />

(...)<br />

(Conferir: AMADO, Jorge. Velhos Marinheiros. São<br />

Paulo: Martins, 1961:79-80) (Recomendamos leituras<br />

dos livros de Jorge Amado aos alunos de Teoria da<br />

Literatura <strong>II</strong>)<br />

1.20 - PARA O ENTENDIMENTO DO<br />

VALOR <strong>DA</strong> <strong>LITERATURA</strong> FICCIONAL DE<br />

JORGE AMADO<br />

EM DEFESA DE JORGE AMADO *<br />

Neuza Machado<br />

Este artigo tem por finalidade homenagear o escritor<br />

Jorge Amado e, ao mesmo tempo, configurar a defesa<br />

de sua produção literária, uma vez que o escritor baiano<br />

(atualmente reverenciado), até há bem pouco tempo,<br />

não logrou receber da crítica literária brasileira uma<br />

justa avaliação. Poderemos até afirmar que, apesar das<br />

transformações que ocorreram em nosso cenário<br />

crítico, avaliações negativas dos anos sessenta e<br />

setenta sobre a obra de Jorge Amado, ainda, são<br />

recuperadas por nossos alunos de Letras, induzidos<br />

por manuais críticos temporalmente já ultrapassados.<br />

É sempre importante reafirmar que a crítica literária,<br />

seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo, está e<br />

estará sempre sujeita a novas reformulações,<br />

acompanhando as inovações literárias e os novos<br />

conceitos críticos que a envolvem.<br />

Por tais motivos, para posicionar-me como defensora<br />

da obra ficcional de Jorge Amado, fui averiguar em<br />

História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo<br />

Bosi, uma avaliação crítica sobre o assunto em<br />

questão. Como todos já sabem, uma avaliação já<br />

reconhecida nos meios intelectuais, desde o início dos<br />

anos setenta. No decorrer de minha pesquisa, constatei<br />

que o ponto de vista de Alfredo Bosi, um renomado<br />

estudioso da Literatura Brasileira, não se mostra<br />

favorável ao escritor baiano e, por esta razão, decidi<br />

realçá-la, aqui, como forma de comprovar os meus<br />

argumentos de defesa.<br />

Com o devido respeito ao já consagrado teórico,<br />

recupero-a, para que eu possa desenvolver, a seguir,<br />

as alegações em favor de Jorge Amado.<br />

Segundo Alfredo Bosi:<br />

Jorge Amado, fecundo contador de histórias<br />

regionais, definiu-se certa vez “apenas um baiano<br />

romântico e sensual”. Definição justa, pois resume o<br />

caráter de um romancista voltado para os marginais,<br />

os pescadores e os marinheiros de sua terra que lhe<br />

interessam enquanto exemplos de atitudes “vitais”:<br />

românticas e sensuais... A que, vez por outra,<br />

emprestaria matizes políticos. A rigor, não caminhou<br />

além dessa abordagem psicológica a ideologia do<br />

festejado escritor baiano. Nem a sua poética, que<br />

passou incólume pelo realismo crítico e pelas demais<br />

experiências da prosa moderna, ancorada que estava<br />

em um modelo oral-convencional de narração<br />

regionalista.<br />

Cronista de tensão mínima, soube esboçar largos<br />

painéis coloridos e facilmente comunicáveis que lhe<br />

franqueariam um grande e nunca desmentido êxito junto<br />

ao público. Ao leitor curioso e glutão a sua obra tem<br />

dado de tudo um pouco: pieguice e volúpia em vez de<br />

paixão, estereótipos em vez de trato orgânico dos<br />

conflitos sociais, pitoresco em vez de captação estética<br />

do meio, tipos “folclóricos” em vez de pessoas,<br />

descuido formal a pretexto de oralidade... Além do uso

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