30.04.2013 Views

TEORIA DA LITERATURA II - Universidade Castelo Branco

TEORIA DA LITERATURA II - Universidade Castelo Branco

TEORIA DA LITERATURA II - Universidade Castelo Branco

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

46<br />

ficar, para fazer companhia a quem ocupasse o quarto<br />

das grades verdes. E Dôia ficou olhando o anúncio<br />

luminoso da Coca-Cola, depois Dôia olhou o casal<br />

que brigava na casa debaixo do anúncio dos pneus<br />

Firestone e teve vontade de dizer aos dois: juízo, hein?<br />

Quando passou o avião para Nova Iorque, Dôia acenou<br />

e gritou boa viagem para os passageiros. Dôia ainda<br />

olhou lá longe, viu dois navios chegando, e ficou com<br />

a luneta na mão, esperando o satélite “Passaro<br />

Madrugador”.<br />

Era noite de lua cheia e Dôia viu três jipes parando<br />

onde iam fazer uma praça ou uma quadra de basquete.<br />

Uns homens desceram dos jipes e Dôia os viu sumir<br />

debaixo de uma árvores. Dôia ajustou a luneta e os<br />

homens voltaram, carregando uma cruz, como as<br />

usadas na encenação da Semana Santa. Puseram a<br />

cruz no chão e Dôia os viu arrastar um homem de dentro<br />

de um jipe. O homem estava com as mãos amarradas<br />

atrás, com uma corda de bacalhau, e usava uma calça<br />

Lee desbotada e um quedes azul, sem meia. Sua blusa<br />

Dôia imaginou como sendo “Adidas”, comprada em<br />

Buenos Aires. A barba do homem de calça Lee era<br />

grande e Dôia achou-o parecido com Alain Delon. Os<br />

cabelos eram louros como os de Robert Redford.<br />

Desataram as mãos do homem de calça Lee e o<br />

arrastaram para a cruz e três homens apontaram suas<br />

metralhadoras Ina para o homem de calça Lee<br />

desbotada. Dôia soltou um grito, que os outros<br />

internos pensaram que fosse alguém tendo um<br />

pesadelo, e o homem de calça Lee tirou o quedes azul,<br />

a calça Lee, a camisa Adidas e ficou nu, vestido apenas<br />

com uma cueca Zorba laranja. Os homens o agarraram,<br />

houve gritos abafados, depois um silêncio, com o rádio<br />

de um táxi tocando música, e Dôia começou a ouvir o<br />

barulho de martelo batendo prego. Dôia mudou de<br />

posição na janela, ajustou mais a luneta e viu os<br />

homens crucificando o homem de cueca Zorba laranja.<br />

De manhã cedo, o médico que ia dar alta a Dôia, o dr.<br />

Garret, achou-a pálida e com olheiras. Dôia contou<br />

que não tinha dormido porque de noite crucificaram<br />

um homem e ela assistiu tudo da janela do quarto,<br />

olhando com a luneta. O dr. Garret ajeitou os óculos,<br />

como fazia quando alguma coisa o espantava, e pediu<br />

a Dôia que contasse como foi. O dr. Garret ouviu tudo,<br />

sempre ajustando os óculos, e disse:<br />

Escuta, Dôia, o homem que crucificaram não se<br />

parecia com ninguém que você já tenha visto, mesmo<br />

em gravura?<br />

Sim, se parecia, respondeu Dôia.<br />

Com quem? perguntou o dr. Garret.<br />

Com o Alain Delon, menos nos cabelos. Os cabelos<br />

dele eram louros como os de Robert Redford...<br />

Eram cabelos compridos, Dôia? perguntou o dr.<br />

Garret.<br />

Eram , respondeu Dôia.<br />

Ele tinha barba, Dôia? % perguntou o dr. Garret.<br />

Tinha , respondeu Dôia.<br />

Agora, Dôia, me diga uma coisa falou o dr. Garret<br />

com um ar misterioso , Quantos anos o homem parecia<br />

ter?<br />

Uns 33 % respondeu Dôia.<br />

, E estava descalço e quase nu? , insistiu o dr. Garret.<br />

, Estava , respondeu Dôia . Só ficou com a cueca<br />

Zorba laranja.<br />

Então Dôia, disse o dr. Garret, sem conseguir conter<br />

a emoção, a cena que você presenciou aconteceu há<br />

muitos e muitos anos...<br />

Como? perguntou Dôia.<br />

Isso mesmo, Dôia. Aconteceu há quase 2 mil anos ,<br />

respondeu penalizado, o dr. Garret.<br />

Mais tarde, quando tomava um café com um colega<br />

da clínica, o dr. Garret contava que uma sua cliente<br />

teve uma alucinação e viu um homem ser crucificado<br />

como Jesus Cristo.<br />

Sabe o que estavam fazendo de noite na praça onde<br />

ela viu a crucificação? perguntou o dr. Garret,<br />

ajustando os óculos . Estavam plantando rosas nuns<br />

canteiros...<br />

nos 385 dias que ainda ficou ajoelhada olhando da<br />

janela, Dôia nunca se esqueceu do Cristo de cueca<br />

Zorba laranja, parecido com Alain Delon. Ele<br />

costumava aparecer nos sonhos de Dôia transformado<br />

numa rosa loura como os cabelos de Robert Redford.<br />

(Conferir: DRUMMOND, Roberto. A Morte de D. J.<br />

Em Paris. 1.ed. São Paulo: Ática, 1975: 21-25)<br />

*[“Nós estamos chegando” ou “Nós venceremos”]<br />

(Recomendamos os textos ficcionais de Roberto<br />

Drummond, escritos durante o período de ditadura<br />

militar no Brasil, aos alunos de Teoria da Literatura <strong>II</strong>.<br />

Ler, também, os textos ficcionais que foram escritos<br />

depois da ditadura, como, por exemplo, Hilda<br />

Furacão, texto que foi adaptado, posteriormente, para<br />

uma novela da Rede Globo de Televisão.)<br />

PROPOSTA DE MONOGRAFIA: O(A) aluno(a)<br />

poderá pesquisar um texto ficcional de Roberto<br />

Drummond % um dos contos escritos por ele % para<br />

uma monografia de final de curso.<br />

(Footnotes)<br />

∗ Ler, para o entendimento do assunto, os romances<br />

de Jorge Amado.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!