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O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra

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spectatum ueniunt; ueniunt spectentur ut ipsae.<br />

Ille locus casti dampna pudoris habet.<br />

Ovídio, o <strong>poeta</strong> na <strong>cida<strong>de</strong></strong><br />

Como vai e vem a multidão das formigas por longo carreiro,<br />

quando na boca carregada <strong>de</strong> grão transporta o alimento costumeiro,<br />

ou como as abelhas, quando encontram os bosques que lhes são caros<br />

e os prados cheirosos, voam por sobre as flores e o alto tomilho,<br />

assim acorrem as mulheres todas aperaltadas aos jogos cheios <strong>de</strong> gente<br />

(a abundância bastas vezes estorvou a minha escolha);<br />

vêm para ver; vêm para elas mesmas serem vistas.<br />

Esse lugar está repleto <strong>de</strong> riscos para o casto pudor.<br />

(Ars, 1.93-100)<br />

“A simbologia adoptada é curiosa e por <strong>de</strong>mais significativa: são peque<strong>no</strong>s<br />

animais, usualmente tidos por paradigmas <strong>de</strong> esforço e labor, sempre<br />

concentrados na sua ocupação; duas <strong>no</strong>tas, em especial, parecem ressaltar <strong>de</strong>sta<br />

comparação – a pequenez, por um lado, e, por outro, o trabalho. Assim, a<br />

disponibilida<strong>de</strong> para a sedução é por Ovídio configurada como uma ocupação<br />

tão <strong>no</strong>bre como a das abelhas e a das formigas quando buscam alimento.” 12<br />

A imagem que dá da mulher, neste peque<strong>no</strong> símile, está longe, portanto,<br />

<strong>de</strong> ser i<strong>no</strong>cente. Num tempo em que a mulher <strong>de</strong>veria, em princípio, prestar-se<br />

à sedução, mas numa atitu<strong>de</strong> passiva (assim o preceitua o próprio <strong>poeta</strong>),<br />

Ovídio, subtilmente, confere-lhe um papel ativo e reconhece-lhe o po<strong>de</strong>r da<br />

iniciativa. Ou seja, só aparentemente e por uma questão <strong>de</strong> tática a mulher<br />

se apresta, assim, a ser seduzida; ela está, <strong>de</strong> facto, a afadigar-se na busca do<br />

amor, o mesmo é dizer, a seduzir.<br />

Confirmá-lo-á, <strong>de</strong> <strong>no</strong>vo, o <strong>poeta</strong> na abordagem daquilo a que po<strong>de</strong>ríamos<br />

chamar o “jogo das cedências”, neste caso na doutrinação que tem por<br />

<strong>de</strong>stinatário o homem.<br />

O que está em causa é uma espécie <strong>de</strong> tática da insistência masculina, seja<br />

<strong>no</strong> processo <strong>de</strong> sedução, seja naquele outro que tem por objetivo conservar os<br />

favores da amada. Em ambos os casos, a superiorida<strong>de</strong> e a intransigência são<br />

inimigas do sucesso; pelo contrário, o espírito <strong>de</strong> cedência, <strong>no</strong>s mais peque<strong>no</strong>s<br />

<strong>de</strong>talhes, <strong>no</strong>s porme<strong>no</strong>res mais insignificantes, po<strong>de</strong> ser meio caminho andado<br />

para o êxito: simular a <strong>de</strong>rrota, ren<strong>de</strong>r-se aos caprichos da mulher, transigir, eis<br />

o rumo mais certo e mais promissor.<br />

Para tanto, o <strong>poeta</strong> vai ao ponto <strong>de</strong> recomendar que o homem aceite<br />

a humilhação: que se <strong>de</strong>scaraterize, que perca a sua personalida<strong>de</strong> e a sua<br />

autenti<strong>cida<strong>de</strong></strong>, que se submeta. Os fins justificam os meios, dirá; se necessário<br />

for, que o homem se converta em marioneta. Só tem a ganhar com isso:<br />

12 André 2006a 107.<br />

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