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O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra

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Ana Maria Lóio<br />

Tradicionalmente, o cônsul fala em <strong>no</strong>me da República; por analogia, o<br />

Ja<strong>no</strong> <strong>de</strong> Estácio fala por Roma, referindo-se à <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>no</strong> início das três secções<br />

do seu discurso: o comentário da situação presente (17-27), o passado e os<br />

seus prece<strong>de</strong>ntes (27-33), o futuro (33-42) 39 . Roma é pertença <strong>de</strong> Domicia<strong>no</strong>,<br />

omnipotente e próspera.<br />

A atribuição <strong>de</strong> voz a Ja<strong>no</strong> e a extensão do seu discurso, que ocupa boa parte<br />

do poema, são aspectos muito significativos. É costume que o cônsul que entra<br />

em funções faça o discurso <strong>de</strong> gratiarum actio ao imperador pelo beneficium do<br />

cargo; mas podia também dar-se o caso <strong>de</strong> o <strong>no</strong>vo cônsul interpelar directa e<br />

pessoalmente Ja<strong>no</strong> 40 . Estácio explora imaginativamente esta possibilida<strong>de</strong>. O<br />

<strong>poeta</strong> inverte os discursos: em vez <strong>de</strong> o <strong>no</strong>vo cônsul interpelar Ja<strong>no</strong>, é o <strong>de</strong>us<br />

quem interpela o cônsul. Esta é igualmente uma maneira elegante <strong>de</strong> contornar<br />

uma situação melindrosa, o facto <strong>de</strong> ser o imperador a assumir o consulado.<br />

A legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ja<strong>no</strong> para interpelar Domicia<strong>no</strong> po<strong>de</strong> conhecer outros<br />

fundamentos. Ja<strong>no</strong> estava associado a Aion, a <strong>de</strong>ificação do conceito <strong>de</strong><br />

eternida<strong>de</strong>. Ora, testemunhos poéticos e algumas moedas sugerem a hipótese<br />

<strong>de</strong> que Domicia<strong>no</strong> fosse assimilado às funções <strong>de</strong> Ja<strong>no</strong>-Aion, representando a<br />

eternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma e do império 41 .<br />

Há ainda mais um aspecto a consi<strong>de</strong>rar na relação entre Ja<strong>no</strong> e o<br />

imperador. Existia um templo <strong>de</strong>dicado a Ja<strong>no</strong> <strong>no</strong> final do Argileto, formando<br />

um corredor entre o forum roma<strong>no</strong> e o <strong>de</strong> César, <strong>no</strong> local on<strong>de</strong> Domicia<strong>no</strong><br />

mandou erguer a <strong>no</strong>va Cúria em 94. O <strong>de</strong>us apresentaria duas faces, justificando<br />

o <strong>no</strong>me Geminus, e o templo teria duas entradas. Por ocasião das obras da<br />

Cúria, o imperador ofereceu ao <strong>de</strong>us um <strong>no</strong>vo templo, <strong>no</strong> qual Ja<strong>no</strong> figuraria<br />

com uma outra morfologia, com quatro faces, o que explica a sua <strong>de</strong>signação,<br />

Ja<strong>no</strong> Quadrifronte. Domicia<strong>no</strong> instalou-o <strong>no</strong> forum por si i<strong>de</strong>alizado, entre o<br />

<strong>de</strong> Augusto e o Templo da Paz. O forum era conhecido como “transitorium”<br />

por constituir o principal caminho entre a Subura, o forum roma<strong>no</strong> e os<br />

outros fora imperiais 42 , e exibiria <strong>de</strong>talhes arquitectónicos semelhantes aos<br />

do palácio imperial. Num extremo do forum erguia-se o templo em honra<br />

da <strong>de</strong>usa preferida <strong>de</strong> Domicia<strong>no</strong>, Minerva, e <strong>no</strong> centro ou <strong>no</strong> extremo<br />

oposto encontrar-se-ia o templo <strong>de</strong> Ja<strong>no</strong> Quadrifronte. Cada face do <strong>de</strong>us<br />

contemplaria, simbolicamente, um forum: o <strong>de</strong> César, o <strong>de</strong> Augusto, o forum<br />

roma<strong>no</strong> e <strong>no</strong>vo forum <strong>de</strong> Domicia<strong>no</strong>. É ainda <strong>de</strong> assinalar que esta localização<br />

o tornava vizinho do Templo da Paz, a que Ja<strong>no</strong> se encontra proverbialmente<br />

associado. Marcial celebra este monumento <strong>no</strong> livro 10:<br />

172<br />

39 Hardie 1983 193.<br />

40 Ver Silv. 4.2 e Mart. 8.8. Com Hardie 1983 193, <strong>no</strong>ta 71.<br />

41 Hardie 1983 193.<br />

42 Platner – Ashby 1929 278-280.

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