O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Ana Maria Lóio<br />
Estácio, à semelhança do que suce<strong>de</strong> <strong>no</strong>s poemas gregos referidos, atribuir o<br />
discurso a uma divinda<strong>de</strong> que esteja associada ao local ou à ocasião 47 . Cúrcio<br />
e Ja<strong>no</strong> constituem, pois, oradores cuidadosamente seleccionados. Ambos se<br />
enquadram <strong>no</strong> cerimonial da ocasião que celebram, Cúrcio fazendo o papel da<br />
divinda<strong>de</strong> local, Ja<strong>no</strong> como o <strong>de</strong>us a quem o discurso do início do a<strong>no</strong> po<strong>de</strong>ria<br />
ser en<strong>de</strong>reçado. Estácio joga com as convenções das cerimónias, adaptando-as<br />
às necessida<strong>de</strong>s da poesia; é assim que o <strong>de</strong>stinatário convencional <strong>de</strong> um<br />
discurso toma o lugar, <strong>no</strong> universo <strong>de</strong> Estácio, <strong>de</strong> orador.<br />
Mas Cúrcio e Ja<strong>no</strong> têm ainda outro aspecto em comum: testemunham<br />
a apropriação do espaço por parte <strong>de</strong> Domicia<strong>no</strong>. O fenóme<strong>no</strong> repete-se, <strong>de</strong><br />
resto, <strong>no</strong> caso da Via Domiciana (Silv. 4.3), celebrada na voz do rio Voltur<strong>no</strong>,<br />
drenado e canalizado <strong>no</strong> <strong>de</strong>curso da obra, e da Sibila <strong>de</strong> Cumas, símbolo do<br />
final da viagem a sul. Ao dar voz a Cúrcio e Ja<strong>no</strong>, Estácio acaba por chamar<br />
a atenção para aspectos da intervenção urbanística do imperador 48 . As duas<br />
figuras são símbolos <strong>de</strong> uma Roma em transformação. Domicia<strong>no</strong> procura<br />
abrir espaço para si entre as marcas <strong>de</strong>ixadas por aqueles a quem outrora<br />
pertenceu a <strong>cida<strong>de</strong></strong>.<br />
47 Coleman 1988 65.<br />
48 Sobre a intervenção <strong>de</strong> Domicia<strong>no</strong> na <strong>cida<strong>de</strong></strong> existe abundante bibliografia, da qual<br />
saliento Darwall-Smith 1996. Ver também Dewar 2008 65-72.<br />
174