O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
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Cláudia Teixeira<br />
po<strong>de</strong>r evocativo do episódio em relação à História, vai ser expressamente trazida<br />
à colação na última parte do discurso profético da rainha, <strong>no</strong> qual a histórica<br />
animosida<strong>de</strong> entre as duas <strong>cida<strong>de</strong></strong>s é perspectivada como mera consequência<br />
vindicativa dos acontecimentos vividos <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> individual 24 (4.622-629):<br />
20<br />
‘Tum uos, o Tyrii, stirpem et genus omne futurum<br />
exercete odiis, cinerique haec mittite <strong>no</strong>stro<br />
munera. Nullus amor populis nec foe<strong>de</strong>ra sunto.<br />
Exoriare aliquis <strong>no</strong>stris ex ossibus ultor<br />
qui face Dardanios ferroque sequare colo<strong>no</strong>s,<br />
nunc, olim, quocumque dabunt se tempore uires.<br />
Litora litoribus contraria, fluctibus undas<br />
imprecor, arma armis; pugnent ipsique nepotesque.’<br />
«Agora vós, Tírios, persegui com o vosso ódio a sua estirpe e toda a sua<br />
<strong>de</strong>scendência vindoura e oferecei esta dádiva às minhas cinzas. Que não existam<br />
jamais laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e alianças entre os dois povos. Levanta-te das <strong>no</strong>ssas<br />
ossadas, vingador, quem quer que sejas, e persegue a ferro e fogo os colo<strong>no</strong>s<br />
dardânios, agora, mais tar<strong>de</strong> e em qualquer tempo que haja forças. Praias contra<br />
praias, ondas contra mares, armas contra armas, é esta a minha maldição! Que<br />
se batam os dois povos e os seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes!»<br />
Deste modo, a evocação das guerras púnicas e <strong>de</strong> Aníbal, politicamente<br />
<strong>de</strong>senraizada <strong>de</strong> um projecto civilizacional, opera o <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro contraste com<br />
o projecto roma<strong>no</strong> que, em breve, vai adquirir contor<strong>no</strong>s <strong>de</strong> referencialida<strong>de</strong><br />
histórica e política e revelar-se como um pla<strong>no</strong> <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>s intrínsecas que o<br />
caucionam como universal.<br />
4. A <strong>cida<strong>de</strong></strong> i<strong>de</strong>al: Roma.<br />
A garantia do triunfo <strong>de</strong> Eneias e <strong>de</strong> Roma havia sido dada por Júpiter a<br />
Vénus, <strong>no</strong> livro I da Eneida. Entre os dados relativos ao domínio histórico 25 , o<br />
24 A profecia «histórica» dá, na verda<strong>de</strong>, sequência ao tom da primeira parte do discurso, que<br />
<strong>de</strong>corre do pla<strong>no</strong> individual em sentido ainda mais estrito (En. 4.612-620): ‘Si tangere portus<br />
/ infandum caput ac terris adnare necesse est,/ et sic fata Iouis poscunt, hic terminus haeret,/ at bello<br />
audacis populi uexatus et armis,/ finibus extorris, complexu auolsus Iuli / auxilium imploret ui<strong>de</strong>atque<br />
indigna suorum / funera ; nec, cum se sub leges pacis iniquae / tradi<strong>de</strong>rit, reg<strong>no</strong> aut optata luce fruatur,/<br />
sed cadat ante diem mediaque inhumatus harena.’ «Se é preciso que essa cabeça nefanda chegue a<br />
um porto e que navegue até uma terra; se assim o impõem os fados <strong>de</strong> Júpiter e se este <strong>de</strong>sígnio é<br />
imutável, que, ao me<strong>no</strong>s, atacado, na guerra, pelas armas <strong>de</strong> um povo audaz, banido para fora dos<br />
seus domínios e arrancado aos braços <strong>de</strong> Iulo, implore auxílio e presencie a infortunada morte<br />
dos seus; e que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se ter submetido às leis <strong>de</strong> uma paz iníqua, não consiga <strong>de</strong>sfrutar da<br />
sua realeza, nem da doce luz, mas pereça, antes do tempo, e jaza, insepulto, <strong>no</strong> meio da areia.»<br />
25 Quinn (1965) 105, observa que, neste domínio, a profecia está «dangerously close to