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O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra

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Ana Maria Lóio<br />

pai <strong>de</strong> Estácio terá certamente influenciado <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisiva uma obra do<br />

carácter das Silvas 24 .<br />

*<br />

Havia <strong>no</strong> forum roma<strong>no</strong> um local sagrado e muito antigo, envolto em<br />

mistério, associado a várias lendas e consi<strong>de</strong>rado uma porta para o “outro <strong>mundo</strong>”.<br />

Trata-se do Lago Cúrcio, que recebe o <strong>no</strong>me, na versão adoptada por Estácio,<br />

do herói republica<strong>no</strong> Quinto Cúrcio, imortalizado pela sua <strong>de</strong>uotio em 362 a.<br />

C. 25 . Reza a lenda que era necessário sacrificar “a maior força do povo roma<strong>no</strong>”<br />

para apaziguar os <strong>de</strong>uses. Cúrcio enten<strong>de</strong>u que a expressão se referia ao valor dos<br />

guerreiros roma<strong>no</strong>s; montado <strong>no</strong> seu cavalo, atira-se ao pânta<strong>no</strong>, que se fecha à sua<br />

entrada, indicando a aceitação do sacrifício 26 . O acto <strong>de</strong> Cúrcio coloca-o na galeria<br />

dos heróis republica<strong>no</strong>s como um exemplo <strong>de</strong> coragem, <strong>de</strong> valentia, e símbolo<br />

da entrega que salva a pátria 27 . É este guerreiro republica<strong>no</strong> que, em Silvas 1.1,<br />

regressa à superfície atraído pelo barulho da operação que visa instalar a imponente<br />

estátua equestre <strong>de</strong> Domicia<strong>no</strong>, votada após a vitória sobre os Germa<strong>no</strong>s 28 , perto<br />

da sua secular morada. O guerreiro eternizado pela bravura treme perante o<br />

tamanho e o brilho da estátua – reacção a<strong>de</strong>quada a quem vive na escuridão do<br />

subsolo, num outro <strong>mundo</strong>, há tantos séculos, e se confronta repentinamente com<br />

um monumento gigantesco. Cúrcio mergulha três vezes a cabeça, aterrado, num<br />

pânta<strong>no</strong> que já não existe, e só <strong>de</strong>pois se dirige ao <strong>no</strong>vo vizinho:<br />

168<br />

Saúdo-te, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte e progenitor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>uses,<br />

divinda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que apenas ao longe tinha ouvido falar! Agora é afortunado o meu<br />

pânta<strong>no</strong>,] 75<br />

agora é venerando, pois foi-me permitido conhecer-te <strong>de</strong> perto<br />

e o teu imortal esplendor contemplar mesmo aqui ao lado.<br />

Uma única vez fui eu que encontrei a salvação <strong>de</strong><br />

Rómulo – já tu as guerras <strong>de</strong> Júpiter, tu as batalhas do Re<strong>no</strong>,<br />

tu o crime civil, tu a montanha que tarda em a<strong>de</strong>rir aos tratados 80<br />

com um longo conflito vergas. Pois se te tivessem gerado<br />

os <strong>no</strong>ssos tempos, terias tentado atirar-te ao fundo lago,<br />

não me atrevendo eu, mas Roma teria agarrado os teus freios. 29<br />

24 Sobre o tema ver Hardie 1983 15-30, McNelis 2002.<br />

25 Hardie 1983 131-132.<br />

26 Trata-se <strong>de</strong> uma versão muito antiga, provavelmente a etiologia original daquele<br />

monumento, talvez grega e remontando pelo me<strong>no</strong>s ao século IV a. C. Varrão, De Lingua Latina<br />

5.148-50, oferece três versões do mito. Ver Ogilvie 1970 75-76, Littlewood 2006 127-128.<br />

27 Fundamental a análise <strong>de</strong> Coleman 1999 67-70.<br />

28 A composição <strong>de</strong> Estácio inspirar-se-á na cerimónia <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação da estátua (como o<br />

<strong>poeta</strong> insinua <strong>no</strong> prefácio ao livro 1), que po<strong>de</strong>rá ter sido conduzida pelo próprio Domicia<strong>no</strong>,<br />

na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pontífice Máximo. Estácio parece sugerir o papel duplo <strong>de</strong> Domicia<strong>no</strong> como<br />

<strong>de</strong>dicatário e lí<strong>de</strong>r da cerimónia religiosa (Hardie 1983 131).<br />

29 Silv. 1.1.74-83 Courtney: ‘Salve, mag<strong>no</strong>rum proles genitorque <strong>de</strong>orum,| auditum longe

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