O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
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Marcial e a Urbe: o meio físico e histórico-social dos epigramas<br />
andar em círculo, visitando repetidamente os mesmos lugares. Marcial <strong>no</strong>meia<br />
os espaços, <strong>de</strong>monstrando implicitamente que Sélio fica confinado a locais<br />
topograficamente próximos, num percurso que não leva a lado nenhum:<br />
começa por um provável pórtico com uma representação do rapto <strong>de</strong> Europa,<br />
que alguns fazem coincidir com o Pórtico <strong>de</strong> Vipsânia, construído pela irmã<br />
<strong>de</strong> Agripa; dirige-se <strong>de</strong>pois aos Saepta Iulia, o local das eleições, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>para<br />
com um grupo escultórico do centauro Quíron, filho da Oceâni<strong>de</strong> Fílira, a<br />
ensinar Aquíles 67 e uma representação <strong>de</strong> Jasão, filho <strong>de</strong> Éson (possivelmente<br />
uma pintura do Pórtico dos Argonautas, mencionado em 3.20 e 11.1, que<br />
la<strong>de</strong>aria os Saepta a oeste); avança para o templo <strong>de</strong> Ísis e Serápis, frequentado<br />
sobretudo por mulheres, <strong>de</strong>pois para o Hecatóstilo (o pórtico das cem colunas);<br />
<strong>de</strong>pois para o Pórtico <strong>de</strong> Pompeio, junto do teatro do mesmo <strong>no</strong>me; frequenta<br />
até as termas <strong>de</strong> Lupo e <strong>de</strong> Grilo, as <strong>de</strong> pior qualida<strong>de</strong>; repete o banho nas<br />
mais bem cotadas, <strong>de</strong> Agripa, <strong>de</strong> Nero e <strong>de</strong> Tito; e, sem conseguir o esperado<br />
convite, volta <strong>no</strong> final ao ponto <strong>de</strong> partida. O leitor contemporâneo <strong>de</strong> Marcial<br />
consegue vislumbrar imediatamente o trajecto, mas, em vez <strong>de</strong> dar indicações<br />
objectivas, o <strong>poeta</strong> preenche o poema com erudição histórica ou mitológica<br />
ligada aos lugares frequentados, por meio da qual, mais do que <strong>de</strong>screver, evoca<br />
as sensações do leitor conhecedor dos espaços e estimula a sua imaginação.<br />
O epigrama apresenta uma pintura plausível <strong>de</strong> uma tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> <strong>no</strong><br />
Campo <strong>de</strong> Marte, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>riam encontrar frequentadores, como Ático,<br />
que por ali costumava correr (7.32.11-12) 68 .<br />
Outro itinerário <strong>de</strong>stacado é o que faz o <strong>poeta</strong> até aos seus protectores.<br />
Marcial queixa-se várias vezes da distância que tem <strong>de</strong> percorrer para saudar um<br />
patro<strong>no</strong> ou ir visitar um amigo, para mais correndo o risco <strong>de</strong> ele estar ausente<br />
ou ocupado (1.70; 1.108; 2.5; 5.22; 10.56; 10.82). Um ponto <strong>de</strong> referência na<br />
relação entre o <strong>poeta</strong> e o espaço da Urbe é, pois, o lugar on<strong>de</strong> o <strong>poeta</strong> habita,<br />
<strong>no</strong> Quirinal (1.117; cf. 1.108). Em 5.22 <strong>de</strong>screve o caminho que tem <strong>de</strong> fazer<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua morada até ao Esquili<strong>no</strong>, passando pela Suburra, para saudar um<br />
patro<strong>no</strong>, <strong>de</strong>signado pelo <strong>no</strong>me <strong>de</strong> Paulus. Também Plínio o Moço habita nesta<br />
zona, mas, como o <strong>poeta</strong> envia simbolicamente a Musa (Talia) como portadora<br />
do livro, já constata que afinal nem é gran<strong>de</strong> o esforço (10.20.4-5).<br />
A relação entre o autor e os espaços da Urbe opera-se também através do<br />
livro, usado muitas vezes como metonímia do <strong>poeta</strong>. O motivo ovidia<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />
enviar o livro do exílio 69 é transferido por Marcial para o contexto das obrigações<br />
<strong>de</strong> cliente, como forma <strong>de</strong> evitar a perda <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> ir pessoalmente cumprir<br />
a salutatio (cf. 1.108). Encontra assim pretexto para introduzir passo a passo<br />
67 Cf. Plínio Nat. 36.29.<br />
68 Vi<strong>de</strong> Sullivan 1991 151-153; Prior 1996 121-141; Williams 2004 67-75.<br />
69 Cf. Ovídio Trist. 1.1; 3.7; Pont. 4.5.<br />
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