14.05.2013 Views

O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra

O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra

O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Cláudia Teixeira<br />

relações com as províncias e inaugura uma era que viria a ser conhecida pela<br />

<strong>de</strong>signação <strong>de</strong> Pax romana. É essa era que Virgílio canta na Eneida, uma era<br />

complexa, que se constituirá como base da futura Europa mo<strong>de</strong>rna, e na qual<br />

se <strong>de</strong>senvolveu uma empresa monumental <strong>de</strong> incorporação <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong><br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> povos bárbaros em um estado <strong>de</strong> civilização, assente em um<br />

sistema <strong>de</strong> valores que se pretendia universal. São as premissas <strong>de</strong>sse processo<br />

que Virgílio evoca na Eneida ao cantar a missão <strong>de</strong> um herói troia<strong>no</strong>, Eneias,<br />

que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> pa<strong>de</strong>cer longos errores, chega ao Lácio para fundar os alicerces<br />

da futura Roma. A sua missão ajusta-se, quer por evocação, quer por meio <strong>de</strong><br />

referenciais explícitos, que vão sendo introduzidos na narrativa, ao processo<br />

moldado e mo<strong>de</strong>lizado pela visão <strong>de</strong> um imperador, Augusto, que o Poeta<br />

anunciara já na, quarta Bucólica, ao comunicar o nascimento <strong>de</strong> um Meni<strong>no</strong><br />

que restauraria a Ida<strong>de</strong> do Ouro e cujos feitos expressara também o <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> cantar, <strong>no</strong> livro terceiro das Geórgicas. A construção da <strong>cida<strong>de</strong></strong> não resulta,<br />

todavia, na Eneida, <strong>de</strong> um processo simples e linear. Usando o mito para evocar<br />

a História e a História para credibilizar o mito, Virgílio constrói a i<strong>de</strong>ia da<br />

<strong>cida<strong>de</strong></strong> em um processo complexo e gradual e que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> confluir para<br />

a <strong>de</strong>monstração das valida<strong>de</strong>s intrínsecas do projecto augusta<strong>no</strong> que fará <strong>de</strong><br />

Roma uma <strong>cida<strong>de</strong></strong> universal, não <strong>de</strong>ixa também <strong>de</strong> ecoar as suas fragilida<strong>de</strong>s e<br />

inconsistências.<br />

12<br />

1. A <strong>cida<strong>de</strong></strong> em lugar errado<br />

A <strong>cida<strong>de</strong></strong>, que na Eneida equivale sobretudo à <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Roma, é um conceito<br />

que se começa a <strong>de</strong>finir, em primeiro lugar, pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que, à sua construção,<br />

subjaz uma absoluta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rigor. Assim, longe <strong>de</strong> assumir <strong>de</strong> imediato<br />

uma teoria política <strong>de</strong> organização e gover<strong>no</strong> da pólis ou da respublica, Virgílio<br />

faz surgir a Urbe como um projecto que se constrói mediante um processo <strong>de</strong><br />

tentativa e erro. Assim, Trácia 4 e Creta 5 constituíram-se como as duas regiões<br />

4 A tentativa <strong>de</strong> fixação resulta gorada por um presságio: <strong>no</strong> <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> um sacrifício a Vénus,<br />

Eneias arranca uns arbustos para <strong>de</strong>corar os altares da <strong>de</strong>usa e verifica que das plantas jorra<br />

sangue. A explicação do fenóme<strong>no</strong> é dada pela voz <strong>de</strong> Polidoro, filho <strong>de</strong> Príamo, que <strong>de</strong>nuncia<br />

a forma como, após a queda <strong>de</strong> Tróia, fora assassinado por or<strong>de</strong>m do rei trácio, recém-aliado<br />

aos Aqueus. A quebra das <strong>no</strong>rmas <strong>de</strong> hospitalida<strong>de</strong> e a traição política faz com que a região<br />

escolhida se torne inaceitável para o assentamento. Os Troia<strong>no</strong>s <strong>de</strong>slocam-se a Delos, on<strong>de</strong><br />

Eneias dirige uma prece a Apolo (3. 85-89) <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> obter uma localização espacial para a<br />

fixação. A resposta vem na forma <strong>de</strong> oráculo (3.94-98), cuja ambiguida<strong>de</strong> leva Anquises a uma<br />

interpretação errada, ao associar a tellus referida pelo <strong>de</strong>us à ilha <strong>de</strong> Creta.<br />

5 Em Creta, a fixação troiana adquire contor<strong>no</strong>s bem <strong>de</strong>finidos: elevam-se os muros da <strong>cida<strong>de</strong></strong><br />

e da <strong>cida<strong>de</strong></strong>la, constituem-se famílias, Eneias distribui os campos e dá as leis ao seu povo. Embora<br />

estejam presentes os elementos centrais <strong>de</strong> qualquer civilização coeva (<strong>de</strong>fesa, organização social<br />

e económica, criação do Direito), contudo uma peste dizimadora e a esterilida<strong>de</strong> dos campos<br />

frustram <strong>de</strong> <strong>no</strong>vo as intenções <strong>de</strong> estabelecimento.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!