O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Luís M. G. Cerqueira<br />
Um universo em que a dimensão <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> está fundamente<br />
alicerçada na instituição familiar. É aos seus <strong>de</strong>uses Lares, junto aos pés<br />
dos quais brincou em criança, à sombra dos quais cresceu, que o <strong>poeta</strong> pe<strong>de</strong><br />
protecção contra os perigos da guerra 27 , ele que é “ aos combates arrastado”, e a<br />
estes <strong>de</strong>uses da casa, das memórias <strong>de</strong> infância da família, que o <strong>poeta</strong> invoca,<br />
guerreiro contrariado e com medo da morte, que <strong>de</strong> forma muito física e real<br />
já po<strong>de</strong> estar na ponta dos dardos que algum inimigo traz consigo, <strong>no</strong> próprio<br />
momento da enunciação poética 28 . A família é protecção e é continuida<strong>de</strong> que<br />
estrutura, numa or<strong>de</strong>m que a guerra quebra e fragmenta.<br />
Nesta “elegia da paz”, há uma dimensão social que os outros elegíacos não têm.<br />
A guerra é para Tibulo não só a inimiga do amor, dos afectos, do seu universo <strong>de</strong><br />
feli<strong>cida<strong>de</strong></strong> sonhada, mas também <strong>de</strong> um <strong>mundo</strong> real em que se estrutura a socieda<strong>de</strong><br />
com os valores da civilização. Tem medo <strong>de</strong> morrer, o que é huma<strong>no</strong>, apesar da sua<br />
valentia nas campanhas da Aquitânia, mas percebe o carácter disruptivo da guerra<br />
do ponto <strong>de</strong> vista social e a loucura que é apressar a morte, o que representa uma<br />
superação do individualismo básico dos <strong>poeta</strong>s epicuristas.<br />
E a guerra é algo que conhece <strong>de</strong> forma concreta. Mas também não<br />
invectiva os que a ela se <strong>de</strong>dicam, como o fazem os epicuristas mais militantes,<br />
como é o caso <strong>de</strong> Horácio, para quem o comerciante que afronta os perigos do<br />
mar na mira do lucro é louco, o comércio marítimo torna rico iure, com justiça,<br />
os que afrontam a ira do mar e as procelas. Ou o guerreiro que procura a morte<br />
por sua iniciativa.<br />
Não é uma loucura, há mesmo pessoas a quem convém, e pessoas por<br />
quem o <strong>poeta</strong> tem apreço. A Messala convém o guerrear: Te <strong>de</strong>cet Messalla,<br />
bellare. Mas o <strong>poeta</strong> tem outra perspectiva, sem julgar <strong>de</strong>preciativamente<br />
outras maneiras <strong>de</strong> viver a vida. E isto é senso comum, forma pouco comum<br />
da sabedoria:<br />
62<br />
Seja rico com mérito aquele que é capaz<br />
<strong>de</strong> arrostar com o furor do mar e com as tristes chuvas.<br />
Oh, que pereça quanto <strong>de</strong> ouro há e <strong>de</strong> esmeraldas,<br />
antes que a minha amada sofra por causa das minhas viagens.<br />
A ti fica-te bem, Messala, combater por terra e mar,<br />
para que a tua casa ostente <strong>de</strong>spojos inimigos;<br />
a mim retêm-me preso os laços <strong>de</strong> uma linda rapariga<br />
e fico sentado como porteiro diante <strong>de</strong> uma porta insensível. 29<br />
27 Sed patrii seruate Lares: aluistis et i<strong>de</strong>m, / Cursarem uestros cum tener ante pe<strong>de</strong>s. I, 10, 15-6.<br />
28 Diuitis hoc uitium est auri, nec bella fuerunt, /Faginus adstabat cum scyphus ante dapes. / Non<br />
arces, <strong>no</strong>n uallus erat, somnumque petebat/ Securus sparsas dux gregis inter oues. / Tunc mihi uita foret,<br />
uolgi nec tristia <strong>no</strong>ssem/ Arma nec audissem cor<strong>de</strong> micante tubam; / Nunc ad bella trahor, et iam quis<br />
forsitan hostis/ Haesura in <strong>no</strong>stro tela gerit latere. I, 10, 7-14.<br />
29 Sit diues iure, furorem/ Qui maris et tristes ferre potest pluuias. / O quantum est auri pereat