14.05.2013 Views

O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra

O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra

O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

José Luís Lopes Brandão<br />

distribuição da riqueza e da pobreza na socieda<strong>de</strong>; não como um paladi<strong>no</strong><br />

da luta pela igualda<strong>de</strong> social dos tempos mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s, mas como um cavaleiro<br />

conservador, preocupado com o perigo da subversão da or<strong>de</strong>m na socieda<strong>de</strong><br />

romana. Em Roma, o po<strong>de</strong>r político e social estava tradicionalmente associado<br />

à riqueza. Des<strong>de</strong> épocas recuadas que <strong>no</strong>s comitia centuriata votavam em<br />

primeiro lugar os mais ricos, os da primeira classe. Nos tempos do <strong>poeta</strong>, o<br />

status <strong>de</strong> senador e cavaleiro estava <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da posse <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />

valor patrimonial, um milhão <strong>de</strong> sestércios para o primeiro e quatrocentos<br />

mil para o último. A or<strong>de</strong>m senatorial tem o seu estatuto e património<br />

tradicionalmente ligados à posse da terra. Para um cavaleiro a indústria<br />

e o gran<strong>de</strong> comércio são recomendados 5 . Mas um naufrágio, por exemplo,<br />

po<strong>de</strong> arruinar um homem rico 6 . As activida<strong>de</strong>s assalariadas e laborais são<br />

consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong>sonrosas para um homem ilustre. Por vezes, os imperadores<br />

tinham <strong>de</strong> subsidiar indivíduos <strong>de</strong>stas classes para que não per<strong>de</strong>ssem o<br />

estatuto. Marcial zurze, com voz moralizante, as situações que subvertem a<br />

realida<strong>de</strong> social. Critica sobretudo os <strong>no</strong>vos-ricos, que fintam a hierarquia<br />

social e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sbaratam o património com extravagâncias <strong>de</strong> mau gosto.<br />

Sente amiú<strong>de</strong> a evidência <strong>de</strong> todos os tempos <strong>de</strong> que os homens das letras são<br />

mal remunerados, enquanto outras profissões alcançam ho<strong>no</strong>rários invejáveis.<br />

Denuncia quer as situações <strong>de</strong> ostentação, quer as da ruína culposa, quer certos<br />

expedientes indig<strong>no</strong>s usados para conseguir singrar na vida.<br />

Um dos principais alvos <strong>de</strong> Marcial são os caçadores <strong>de</strong> heranças. A<br />

caça à herança ou ao dote é um fenóme<strong>no</strong> comum em Roma por causa das<br />

disposições testamentárias que garantiam a proprieda<strong>de</strong> privada e <strong>de</strong>fesa do<br />

direito <strong>de</strong> cada um dispor dos bens a seu <strong>de</strong>sejo. Assim a captatio tor<strong>no</strong>u-se<br />

topos dos <strong>poeta</strong>s satíricos 7 . Os alvos são mulheres ricas ou velhos sem her<strong>de</strong>iros.<br />

É bastante conhecido e repetido, como paradigmático do género cultivado por<br />

Marcial, o epigrama sobre as núpcias <strong>de</strong> Maronila, que se torna atraente por<br />

estar tísica, e, por isso, perto da morte (1.10); ou o caso <strong>de</strong> Névia que, para<br />

atrair um preten<strong>de</strong>nte, usa <strong>de</strong> publi<strong>cida<strong>de</strong></strong> enga<strong>no</strong>sa: tosse <strong>de</strong> forma exagerada<br />

(2.26) – situações caricatas que reflectem a realida<strong>de</strong> dos expedientes a que<br />

se podia recorrer para sobreviver na Urbe. Dada a protecção <strong>de</strong> que gozava a<br />

proprieda<strong>de</strong> da mulher romana, surge a suspeita <strong>de</strong> que certos homens ven<strong>de</strong>m<br />

os seus favores sexuais em troca do dinheiro das mulheres – é o que se <strong>de</strong>duz<br />

da censura feita a Basso, por gastar a sua potência sexual com rapazinhos,<br />

subtraindo à esposa o vigor que ela tinha pago com o dote (12.97), da ventura<br />

5 Vi<strong>de</strong> Marache 1961b 12-13.<br />

6 Cf. Petrónio, Satyr. 76.<br />

7 O topos foi aparecendo em Horácio (Sat. 2.5), Petrónio (117), Pérsio (5.73), Juvenal (por<br />

ex. 1.37-41). Vi<strong>de</strong> Sullivan 1991 159 ss.<br />

138

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!