O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
O poeta e a cidade no mundo romano - Universidade de Coimbra
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Tibulo, o elegíaco da romanida<strong>de</strong><br />
A poikilia <strong>de</strong> Tibulo é particularmente original na forma como muda <strong>de</strong><br />
assunto, numa associação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias que, sendo característica da linguagem<br />
verbal, manifesta uma lógica muito livre, a lógica do imaginário, em que a<br />
concatenação das i<strong>de</strong>ias é feita por associação. Tibulo passeia-se pelas i<strong>de</strong>ias<br />
e pelas emoções, sem preocupações <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, mas fá-lo com uma subtil<br />
naturalida<strong>de</strong>.<br />
A reflexão sobre as benesses da paz, que permite a activida<strong>de</strong> agrícola, dá<br />
ocasião ao <strong>de</strong>linear <strong>de</strong> um peque<strong>no</strong> quadro rústico, em que um camponês, já<br />
um pouco tocado pelo vinho, regressa a casa levando na carroça a mulher e os<br />
filhos, e procura a esposa com alguma violência, arrepen<strong>de</strong>ndo-se <strong>de</strong> imediato<br />
da sua brutalida<strong>de</strong>, que leva à zanga dos amantes, instigada pelo brincalhão<br />
Amor, que se senta entre eles, e temos outro peque<strong>no</strong> quadro, em que o <strong>poeta</strong><br />
vai <strong>de</strong>vaneando, para acabar uma vez mais na con<strong>de</strong>nação da violência, aqui<br />
das guerras amorosas:<br />
Do bosque a esposa e os filhos<br />
conduz na carroça o lavrador a casa,<br />
não muito sóbrio ele mesmo. Mas <strong>de</strong> Vénus<br />
então as rixas fervem: sente a moça<br />
o cabelo arrancado e a porta entrada;<br />
da tenra face a pisadura chora.<br />
E chora o vencedor sua louca força.<br />
Zombeteiro, o Amor na luta aguça injúrias,<br />
e lento enfim entre ambos vem sentar-se.<br />
Ai! Tem <strong>de</strong> ferro o coração quem fere<br />
a sua amante: do céu provoca os <strong>de</strong>uses! 11<br />
O campo é o não-lugar, utopia on<strong>de</strong> se projecta um universo que nunca<br />
existiu senão <strong>no</strong>s anseios do <strong>poeta</strong>. Constituiu um dos temas fundamentais <strong>de</strong><br />
Tibulo, como <strong>no</strong>s diz: “canto os campos, e os <strong>de</strong>uses dos campos”, Rura ca<strong>no</strong>,<br />
rurisque <strong>de</strong>os. O campo é o embrião <strong>de</strong> todas as artes ligadas à civilização, foi<br />
<strong>no</strong> campo que foi abandonada uma alimentação primitiva à base <strong>de</strong> bolota,<br />
que surgiu a construção <strong>de</strong> casas, a domesticação <strong>de</strong> animais, a construção <strong>de</strong><br />
carroças, o cultivo <strong>de</strong> árvores <strong>de</strong> fruto, o regadio dos hortos, o fabrico do vinho,<br />
etc. 12 . É o espaço estruturado <strong>de</strong> uma continuida<strong>de</strong> que permite o progresso e<br />
11 Rusticus e lucoque vehit, male sobrius ipse,/ Uxorem plaustro progeniemque domum./ Sed Veneris<br />
tum bella calent, scissosque capillos/ Femina perfractas conqueriturque fores./ Flet teneras subtusa<br />
genas, sed uictor et ipse/ Flet sibi <strong>de</strong>mentes tam ualuisse manus. / At lasciuus Amor rixae mala verba<br />
ministrat,/ Inter et iratum lentus utrumque se<strong>de</strong>t./ A, lapis est ferrumque, suam quicumque puellam/<br />
Verberat: e caelo <strong>de</strong>ripit ille <strong>de</strong>os. I, 10, 50-60.<br />
12 rura ca<strong>no</strong> rurisque <strong>de</strong>os. his uita magistris/ <strong>de</strong>sueuit querna pellere glan<strong>de</strong> famem:/ illi compositis<br />
primum docuere tigillis/ exiguam uiridi fron<strong>de</strong> operire domum:/ illi etiam tauros primi docuisse<br />
55