Crise Ambiental e Modernidade - Instituto de Psicologia da UFRJ
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ser humano, a existência <strong>da</strong> alma alertava para uma diferença: a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar 5 , o<br />
que <strong>de</strong>u fun<strong>da</strong>mento a sua <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> humana.<br />
To<strong>da</strong> a educação do indivíduo mo<strong>de</strong>rno, <strong>de</strong> acordo com Thomas (id.), teria por<br />
objetivo afastá-lo <strong>da</strong> animali<strong>da</strong><strong>de</strong>. As instruções, que já se encontram formula<strong>da</strong>s por<br />
Erasmo, fazem referências constantes a animais, que são tomados como mo<strong>de</strong>los <strong>da</strong>quilo<br />
que não se <strong>de</strong>ve fazer. No manual <strong>de</strong> Erasmo sobre civili<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong>-se encontrar uma rica<br />
série <strong>de</strong> analogias com os animais, algumas, reproduzi<strong>da</strong>s pelo historiador:<br />
“Não mexa os cabelos como um potro; não relinche ao rir, como um cavalo, ou mostre<br />
os <strong>de</strong>ntes, como um cachorro; não balance o corpo inteiro como uma lavandisca; não fale pelo<br />
nariz. “Isso é próprio <strong>da</strong>s gralhas e dos elefantes” ”. (ERASMO apud THOMAS, id., p. 44).<br />
Estar próximo <strong>de</strong>sta linha divisória, que separa o homem do mundo natural,<br />
gera a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser tratado tal como os seres pertencentes a este último domínio. Os<br />
índios, mulheres e crianças pequenas eram percebidos como <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> algumas<br />
características que os colocavam em situação intermediária, a meio caminho entre o<br />
selvagem, dito “incivilizado” e o ser humano. Ocasionalmente, a lista dos habitantes <strong>de</strong>ste<br />
perigoso lugar fronteiriço era estendi<strong>da</strong> aos pobres, escravos, loucos, todos eles<br />
consi<strong>de</strong>rados inferiores e, por isto, exteriores às fronteiras <strong>da</strong> ética que transmitem<br />
impedimentos à ação humana <strong>de</strong>struidora.<br />
A visão <strong>de</strong> Thomas é interessante pelo fato <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar o modo como uma série<br />
<strong>de</strong> práticas doam significado à natureza, fazendo com que ela seja trata<strong>da</strong> e entendi<strong>da</strong> como<br />
recurso infinitamente explorável. Como foi dito anteriormente, estas práticas são<br />
remo<strong>de</strong>la<strong>da</strong>s pelas idéias <strong>de</strong> finitu<strong>de</strong>, fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> e complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a partir <strong>da</strong>s quais a crise<br />
ambiental modifica as relações entre socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e natureza. No entanto, ao afirmar que as<br />
práticas mo<strong>de</strong>rnas proce<strong>de</strong>m exclusivamente <strong>de</strong> um fun<strong>da</strong>mento antropocêntrico, o<br />
historiador <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra um outro aspecto <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> que está sendo levado em conta<br />
5 De modo mais preciso, para Descartes, as características, que estabelecem os limites entre a existência<br />
humana e a existência animal, são duas. A primeira notória diferença, que, <strong>de</strong> acordo com o filósofo, não<br />
po<strong>de</strong>ríamos negligenciar, consiste na habili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> utilizar palavras para comunicar os pensamentos. Em<br />
segundo lugar, Descartes aponta a plastici<strong>da</strong><strong>de</strong> do comportamento humano, proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> que adquiriríamos<br />
graças ao uso <strong>da</strong> razão, e que nos permitiria generalizar e particularizar os acontecimentos (MAZLISH, 1993).