Crise Ambiental e Modernidade - Instituto de Psicologia da UFRJ
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Portanto, seria através dos experimentos que a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> ampliou a<br />
socialização <strong>da</strong> natureza. Apesar <strong>de</strong> estarmos tratando <strong>de</strong> situações construí<strong>da</strong>s pelo<br />
homem, este domínio é consi<strong>de</strong>rado, quando <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, como<br />
inteiramente apartado <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> humana. O conhecimento é consi<strong>de</strong>rado mero canal e o<br />
laboratório, recurso. Para manter o isolamento entre socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e natureza, o discurso<br />
crítico neutraliza os pontos <strong>de</strong> contato entre sujeito e objeto. Por isto, como observa<br />
Stengers (1989), é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor, do ponto <strong>de</strong> vista mo<strong>de</strong>rno, diferenciar entre<br />
experimento manipulado e não manipulado. A manipulação macularia o distanciamento<br />
entre sujeito e objeto e, em última instância, a transcendência <strong>da</strong> natureza.<br />
De acordo com Latour (op. cit, 1994), a gran<strong>de</strong> inovação <strong>da</strong> ciência<br />
experimental teria sido, ao consi<strong>de</strong>rar os objetos ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras ⎯ e confiáveis ⎯<br />
testemunhas, introduzi-los nas controvérsias humanas. Ao introduzi-los, as ciências e<br />
técnicas se aproximam ca<strong>da</strong> vez mais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ao mesmo tempo, a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> torna-se<br />
ca<strong>da</strong> vez mais permea<strong>da</strong> por elementos naturais, que as ciências e as técnicas trazem para<br />
a constituição <strong>da</strong>s relações sociais.<br />
Por esta razão, Latour (id.) não caracteriza a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> por uma cisão entre<br />
natureza e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas pela intensificação <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s que unem ciência e socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />
trazem a natureza para a tecedura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Estas re<strong>de</strong>s não possuem um exterior, são<br />
mistos formados por natureza e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. O conceito <strong>de</strong> re<strong>de</strong> sociotécnica visa <strong>da</strong>r conta<br />
<strong>da</strong> fabricação <strong>de</strong> híbridos, esten<strong>de</strong>ndo a historici<strong>da</strong><strong>de</strong> humana ao mundo natural, sem<br />
restringir a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> agir na constituição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> aos humanos. Os elétrons, os<br />
micróbios socializados pela ciência penetram a História humana, doando-lhe, com as re<strong>de</strong>s<br />
elétricas e os processos <strong>de</strong> pasteurização, um novo rumo; contudo, os micróbios e os<br />
elétrons não são simplesmente <strong>de</strong>scobertos, revelados à consciência humana mediante<br />
dispositivos técnicos, como microscópios ou <strong>de</strong>tetores <strong>de</strong> partículas atômicas. Eles<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> experimentações, observações, discussões, apoios<br />
financeiros, para serem reconhecidos como fatos objetivos. Na medi<strong>da</strong>, em que nesta re<strong>de</strong><br />
se estabiliza um objeto ou um ser natural, estes po<strong>de</strong>m aparecer <strong>de</strong>svinculados <strong>de</strong> suas<br />
conexões. Mas apenas aparecer, pois é a intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s ligações entre diversos fatores e<br />
diferentes espécies <strong>de</strong> atores que fornece a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se falar em um universo