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Crise Ambiental e Modernidade - Instituto de Psicologia da UFRJ

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o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro do falso. Este <strong>de</strong>staque <strong>de</strong>ve-se a dois motivos. Em primeiro lugar, e <strong>de</strong> acordo<br />

com as observações <strong>de</strong> Prigogine & Stengers (1992), a concepção <strong>de</strong> um espaço<br />

homogêneo e infinito, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senrolam fenômenos regulares e matematizáveis, tal como<br />

a ciência experimental concebe, colabora em muito para o sucesso <strong>de</strong> uma representação <strong>de</strong><br />

um mundo previsível que se torna admiti<strong>da</strong> pelo restante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Em segundo, foi<br />

neste campo que se moldou, <strong>de</strong> modo eficaz, uma relação entre imparciali<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

autori<strong>da</strong><strong>de</strong>. Como aponta Isabelle Stengers (1989): “nas ciências experimentais (...) o<br />

trabalho <strong>de</strong> criar uma testemunha, <strong>de</strong> fazer falar um fato, é sempre um trabalho <strong>de</strong><br />

purificação e <strong>de</strong> controle” (p. 85).<br />

O trabalho <strong>de</strong> purificação, ao qual se refere a historiadora <strong>da</strong>s ciências, consiste<br />

em tornar um evento observado em laboratório, o tanto quanto liberto <strong>de</strong> ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

suprimindo a polissemia, <strong>de</strong> modo que, ao final <strong>de</strong> um bom experimento, o evento ali<br />

produzido aparece como fato inequívoco e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do esforço do experimentador. Ao<br />

ser consi<strong>de</strong>rado um representante dos fatos, o cientista recebe uma autori<strong>da</strong><strong>de</strong> que aparece<br />

freqüentemente no pensamento mo<strong>de</strong>rno, associa<strong>da</strong> com a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fornecer<br />

princípios para a organização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. De acordo com Leiss (1975), esta associação<br />

encontra-se claramente expressa na utopia que o filósofo Francis Bacon elabora em “Nova<br />

Atlântica”. No cenário imaginado pelo filósofo inglês, um grupo <strong>de</strong> engenheiros que<br />

viveriam completamente afastados do restante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> seria responsável por inventar<br />

técnicas que <strong>de</strong>finiriam o rumo <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>. Suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s estariam acima <strong>da</strong><br />

regulação <strong>da</strong> classe política: na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, os cientistas teriam autori<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta sobre o<br />

<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> suas construções e <strong>de</strong> seu conhecimento.<br />

Latour (2001a) observa que a ciência torna-se, na mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> especialista e, unicamente na condição <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>svincula<strong>da</strong> <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, é que po<strong>de</strong>ria fornecer princípios para o funcionamento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> (o que<br />

aparece bem representado na utopia baconiana sob a forma do afastamento que os<br />

cientistas mantém do restante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>).<br />

Postulando um mundo transcen<strong>de</strong>nte e valendo-se <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong><strong>de</strong> como um<br />

valor que gera autori<strong>da</strong><strong>de</strong>, a ciência fornece doses necessárias <strong>de</strong> segurança e confiança<br />

para a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Estabelecendo-se como terreno fixo no meio <strong>de</strong> um incessante <strong>de</strong>vir, a

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