Crise Ambiental e Modernidade - Instituto de Psicologia da UFRJ
Crise Ambiental e Modernidade - Instituto de Psicologia da UFRJ
Crise Ambiental e Modernidade - Instituto de Psicologia da UFRJ
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
34<br />
II-<br />
CONSTRUÇÃO DA CRISE AMBIENTAL<br />
Conta a mitologia romana que o Deus filici<strong>da</strong> Saturno, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido<br />
expulso do céu, recebe abrigo <strong>de</strong> Jano, na região do Lácio (COMMELIN, 1941).<br />
Agra<strong>de</strong>cido, Saturno dotou Jano <strong>de</strong> uma não somente rara, mas muito especial prudência<br />
que o permitia simultaneamente assistir ao passado e futuro. Por isto Jano geralmente é<br />
representado como uma figura <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong> duas faces: uma volta<strong>da</strong> para o passado, que<br />
convive com a outra, orienta<strong>da</strong> para o porvir.<br />
É possível imaginar a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> tal como o Deus Jano. Ao voltar-se para o<br />
futuro, com a idéia <strong>de</strong> progresso, e concebendo a natureza como domínio apartado <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, a era mo<strong>de</strong>rna incorporou aquilo que acreditava ser exterior e impermeável à sua<br />
História ⎯ o mundo natural. A confusão entre a imanência <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e a transcendência<br />
<strong>da</strong> natureza era consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> um equívoco <strong>da</strong> tradição, portanto, pertencente ao passado.<br />
Mas se, durante o projeto <strong>de</strong> conquista <strong>da</strong> natureza, a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> acabou se aproximando do<br />
que supunha exterior, a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> aproximou-se <strong>de</strong> seu passado, ao fundir natureza com<br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Neste sentido, po<strong>de</strong>-se dizer que passado e futuro foram simultaneamente<br />
contemplados, ou que duas distintas faces ⎯ como as <strong>de</strong> Jano ⎯ coabitaram.<br />
De modo análogo, as transformações sociais eram aprecia<strong>da</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />
cenário <strong>de</strong> previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>; a ciência, assim como as instituições do Estado, confirmavam e<br />
operavam a partir <strong>de</strong>sta previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ao voltar-se para o futuro, levantando os riscos,<br />
estimando a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos eventos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua aventura, a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> acabou se<br />
<strong>de</strong>scobrindo incapaz <strong>de</strong> confiar plenamente na ciência, pois os riscos <strong>de</strong>monstraram ser<br />
também produzidos pelo conhecimento (GIDDENS, op. cit,1999). Afastados <strong>da</strong> exatidão<br />
científica, sem clareza para <strong>de</strong>cidir, os mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong>pararam-se, em seu próprio domínio,<br />
com noções confusas e ambíguas que acreditavam serem exclusivas <strong>de</strong> seus antepassados.<br />
Este outro aspecto confirma que passado e futuro conviveram na mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Definitivamente, as duas faces pertencem à mesma figura.<br />
O percurso <strong>de</strong>scrito pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, ou industrial, está em vias <strong>de</strong><br />
transformá-la em outra espécie <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que o sociólogo Ulrick Beck (2000) propõe