Crise Ambiental e Modernidade - Instituto de Psicologia da UFRJ
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naturais, mas modificá-las. O mo<strong>de</strong>lo científico, <strong>de</strong>vido a razões idênticas, passa a ser<br />
consi<strong>de</strong>rado enriquecimento e modificação <strong>da</strong> natureza, <strong>de</strong>sembaraçando-se <strong>da</strong> obrigação<br />
<strong>de</strong> fixar-se em seus limites e apenas <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong><strong>de</strong> às suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />
O significado que ciências e técnicas recebem na mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser<br />
apreciado sob dois diferentes aspectos. Em primeiro lugar sob a forma do acolhimento <strong>da</strong><br />
ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna e, em segundo, como valorização do mo<strong>de</strong>lo<br />
científico, entendido em sentido geral. Os dois casos envolvem uma mu<strong>da</strong>nça significativa<br />
na relação entre artifício e natureza.<br />
De início, <strong>de</strong>ve-se observar que ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s tais como construção <strong>de</strong> máquinas e<br />
instrumentos nem sempre receberam atenção especial ou ocuparam lugar privilegiado na<br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Neste sentido, o historiador Jean-Pierre Vernant (1992) observa que:<br />
“A razão grega não se formou tanto no comércio humano com as coisas quanto nas<br />
relações dos homens entre si. Desenvolveu-se menos através <strong>de</strong> técnicas que operam no mundo<br />
que por aquelas que dão meios para domínio <strong>de</strong> outrem e cujo instrumento comum e a<br />
linguagem: a arte do político, do retor, do professor. A razão grega e <strong>de</strong> maneira positiva,<br />
refleti<strong>da</strong>, metódica, permite agir sobre os homens, não transformar a natureza.” (p. 95)<br />
A ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> intelectual, em época prece<strong>de</strong>nte ao nascimento <strong>da</strong> era mo<strong>de</strong>rna,<br />
não utilizava, como método fun<strong>da</strong>mental, a experimentação, que passou a fazer <strong>da</strong> natureza<br />
objeto <strong>de</strong> investigação e manipulação. A busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com o pensamento<br />
escolástico, <strong>de</strong>veria acontecer no âmbito reservado do espírito: no interior do ser humano,<br />
mais precisamente em sua alma. Por esta razão, os vestígios <strong>da</strong> perfeição divina eram<br />
procurados neste domínio. A partir do momento que a perfeição divina é busca<strong>da</strong> no<br />
exterior, ou seja, no mundo natural, ocorre uma gran<strong>de</strong> transformação 2 (WEBER, 1990).<br />
Figuras históricas como Leonardo <strong>da</strong> Vinci expressam perfeitamente a espécie<br />
<strong>de</strong> acolhi<strong>da</strong> <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica que a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> iria, um pouco <strong>de</strong>pois, consoli<strong>da</strong>r. O<br />
para este último autor, sempre houve mistura, não po<strong>de</strong> haver ruptura entre uma era pré-mo<strong>de</strong>rna e a<br />
mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois o tempo linear per<strong>de</strong> sentido sem a purificação.<br />
2 Para ilustrar a investigação do mundo natural, ain<strong>da</strong> em continui<strong>da</strong><strong>de</strong> com o pensamento religioso <strong>da</strong><br />
filosofia escolástica, Max Weber (1990) lembra o aforismo <strong>de</strong> Swammer<strong>da</strong>m (biólogo que viveu entre os<br />
séculos XVI e XVII): “Apresento-lhes aqui, na anatomia <strong>de</strong> um piolho, a prova <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> Deus ” (p.<br />
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