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CAPA REVISTA AGCRJ_4_2010.p65 - rio.rj.gov.br

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característica estética porque impressiona a atração do poeta pelas imagens cruas, grotescas e<<strong>br</strong> />

bizarras, que compunham, em sua maioria, o cená<strong>rio</strong> museológico das coleções do Museu da<<strong>br</strong> />

Polícia: armas e uniformes de guerra e civis, objetos de perícia policial, instrumentos de Medicina<<strong>br</strong> />

Legal, descrição de cená<strong>rio</strong>s de crimes famosos, jogos de azar, quiromancia, drogas etc. A ausência<<strong>br</strong> />

sistemática do uso da metáfora explica, em parte, a atração e o fascínio que o poeta e escultor sentia<<strong>br</strong> />

pelas peças e objetos que fazem parte dessas Coleções Museológicas, que encenam crimes,<<strong>br</strong> />

homicídios, aberrações, monstruosidades, drogas, fetiches etc.<<strong>br</strong> />

Creio que essa característica estética do autor pode explicar a cenografia fantasmagórica em<<strong>br</strong> />

que se enredou boa parte de sua vida, dirigindo o Museu da Polícia Civil, de 1945 à 1964. Ousar-seia<<strong>br</strong> />

afirmar que, subjacente, reside aí a explicação de uma característica mais geral ligada à atração<<strong>br</strong> />

que Milano sentia pelo conjunto de peças que constituíam o Museu que dirigia, e que efetivamente<<strong>br</strong> />

c<strong>rio</strong>u. Não há metáforas, substituições, analogias ou subentendidos, na cenografia de ‘seu’ Museu.<<strong>br</strong> />

Visualiza-se direta, crua e transparentemente, a realidade dos objetos e peças fantasmagóricas,<<strong>br</strong> />

sinistras, satânicas, infernais e diabólicas. Vislum<strong>br</strong>am-se, assim, as “metamorfoses” e “conexões<<strong>br</strong> />

monstruosas” sem nenhum disfarce, de modo ‘cru, nu e desértico’. Na sua “poesia das<<strong>br</strong> />

significações”, vê-se cintilar as verdadeiras e indisfarçáveis Flores do Mal de Charles Baudelaire;<<strong>br</strong> />

publicado em 1857, mas recolhido pela justiça francesa, quando teve alguns poemas condenados<<strong>br</strong> />

integralmente, por mais de 100 anos!<<strong>br</strong> />

Impossível não associar essas imagens às transfigurações, distorções e deformações do<<strong>br</strong> />

cubismo de Pablo Picasso, ou dos diversos trabalhos de inúmeros surrealistas e artistas de outras<<strong>br</strong> />

épocas e tradições estilísticas, como Lucien Freud, Salvador Dali, Hieronymus Bosch, além, é claro,<<strong>br</strong> />

do próp<strong>rio</strong> cená<strong>rio</strong> maca<strong>br</strong>o do Museu da Polícia Civil.<<strong>br</strong> />

Não é possível escapar ou negar que essa vida poética vincula-se e relaciona-se com o<<strong>br</strong> />

conjunto museológico. Ao contrá<strong>rio</strong> das hipóteses ante<strong>rio</strong>res, que consideram esse cená<strong>rio</strong> tãosomente<<strong>br</strong> />

uma ‘teatralização espetacular e expressionista’ representativa da visão estigmatizada so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

a cultura afro-<strong>br</strong>asileira; ao contrá<strong>rio</strong>, demonstra-se agora que é impossível descolar a subjetividade,<<strong>br</strong> />

a o<strong>br</strong>a e a vida de Dante Milano do significado cultural dessa coleção museológica de Magia Negra.<<strong>br</strong> />

Com essa análise, supera-se um obstáculo epistemológico importante. Contrariamente, ainda, a<<strong>br</strong> />

tendência ante<strong>rio</strong>r de “ver” essa coleção apenas com o “olhar” condicionado pelo discurso etnicista<<strong>br</strong> />

(ou da etnicidade) calcado no vocabulá<strong>rio</strong> afro-<strong>br</strong>asileiro contemporâneo; propõe-se aqui um outro<<strong>br</strong> />

“olhar”, uma outra “visão” so<strong>br</strong>e essa coleção museológica especial – uma visão que relativiza<<strong>br</strong> />

verdadeiramente, que contextualiza, que reflete uma interpretação antropológica densa e profunda.<<strong>br</strong> />

É perceptível a diversidade de repercussões desse vocabulá<strong>rio</strong> e linguagem sinistra, tanto no<<strong>br</strong> />

poeta <strong>br</strong>asileiro do ‘maca<strong>br</strong>o’, Augusto dos Anjos, que escreveu sua o<strong>br</strong>a mais conhecida Eu e<<strong>br</strong> />

Outras Poesias, em 1912, como na já referida “putrefação” baudelairiana. E não é demais apontar

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