Na Itália, Lula incentiva investimentos no Brasil ... - Comunità italiana
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música<br />
Canto eter<strong>no</strong> de<br />
amor e ciúmes<br />
Em dezembro, a cidade de Lucca comemora os 150 a<strong>no</strong>s do seu mais ilustre filho, o compositor Giacomo Puccini<br />
O<br />
mundo lírico celebra este<br />
mês, um século e meio do<br />
nascimento de um appassionato<br />
que ainda cativa<br />
imensas platéias, ouvidos e mentes<br />
admirados. Giacomo Antonio<br />
Domenico Michele Secondo Maria<br />
Puccini, nascido em Lucca, na<br />
Toscana, em 22 de dezembro de<br />
1858, integra a quinta geração<br />
de uma família de músicos, mais<br />
precisamente organistas de igreja.<br />
Puccini, “certamente, antes de<br />
aprender a ler o alfabeto começou<br />
a ler partituras”, crê o especialista<br />
Sérgio Casoy. O professor<br />
de História da Ópera na Escola<br />
de Música da USP (Universidade<br />
de São Paulo) recebeu, este a<strong>no</strong>,<br />
o Prêmio Puccini Internacional,<br />
concedido pela Região Toscana e<br />
pela Fundação Festival Puccinia<strong>no</strong>,<br />
entregue pelo Instituto Italia<strong>no</strong><br />
de Cultura de São Paulo.<br />
Os 150 a<strong>no</strong>s do célebre compositor<br />
serão comemorados em<br />
grande estilo na sua cidade natal,<br />
<strong>no</strong> próprio dia 22 de dezembro,<br />
quando será realizado o Puccini<br />
Day, com apresentação da Orquestra<br />
Filarmônica Real Britânica.<br />
Segundo Casoy, a atualidade<br />
do músico italia<strong>no</strong> “permanece<br />
intocada”. Autor de 12 óperas -<br />
contando as do tríptico, composto<br />
por Il Tabarro, Suor Angélica e<br />
Gianni Schicchi, o compositor percebeu<br />
que a tolerância do público<br />
a longos espetáculos se extinguia<br />
e tomou suas providências.<br />
— Puccini sabia perfeitamente<br />
como montar uma cena,<br />
era um dom. Ele conhecia o<br />
funcionamento do teatro, tinha<br />
<strong>no</strong>ção do timing da platéia. Sabia<br />
como e quando interromper<br />
o momento dramático com uma<br />
piadinha e retomar o drama. Esses<br />
são recursos vistos até hoje<br />
<strong>no</strong> cinema e na televisão —<br />
observa Casoy, autor dos livros<br />
Óperas e Outros Cantares, Ópera<br />
em São Paulo 1952-2005 e A Invenção<br />
da Ópera, que prepara a<br />
primeira biografia comentada em<br />
português sobre o lucchese, prevista<br />
para ser lançada a<strong>no</strong> que<br />
vem, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.<br />
No alto, Giacomo Puccini. O<br />
compositor italia<strong>no</strong> terá sua primeira<br />
biografia comentada, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,<br />
feita por Sérgio Casoy, ao lado<br />
Os libretos das óperas de Puccini,<br />
em parte escritos pela talentosa<br />
dupla Luigi Illica e Giuseppe<br />
Giacosa, indicam minuciosamente<br />
como os cantores devem<br />
se portar, o tipo de iluminação<br />
a ser feita <strong>no</strong> teatro e uma série<br />
de detalhes que se harmonizam<br />
perfeitamente à composição.<br />
Por isso, diz o crítico, “suas<br />
óperas fazem grande efeito e não<br />
chateiam ninguém”. Além disso,<br />
Tat i a n a Bu f f<br />
Correspondente • São Paulo<br />
Casoy acredita que o sucesso do<br />
clássico compositor se mantém<br />
por serem suas canções “palatáveis<br />
aos jovens” por contar histórias<br />
universais de amor e ciúmes.<br />
Segundo Casoy, a obra do maestro<br />
tosca<strong>no</strong> também se adapta<br />
a versões e montagens contemporâneas.<br />
Tosca – ambientada na<br />
Roma de 1800 - já foi transposta<br />
para 1945, na cidade eterna inva-<br />
dida pelos nazistas, quase <strong>no</strong> fim<br />
da guerra, e funcio<strong>no</strong>u sem perder<br />
as qualidades originais. La Bohème,<br />
romance que se passa em<br />
1830, foi readaptada com sucesso<br />
um século adiante, em Paris.<br />
Casa<strong>no</strong>va<br />
<strong>Na</strong> avaliação de Casoy, os personagens<br />
de Puccini operavam como<br />
válvula de escape das inúmeras<br />
turbulências amorosas do autor.<br />
Passional e sedutor, o instinto de<br />
conquistador lhe causou problemas<br />
durante toda a vida. A começar<br />
pelo grande amor, Elvira Bonturi<br />
que, casada, largou marido e<br />
dois filhos para viver com o compositor,<br />
uma grande ousadia para<br />
o fim do século 19 em uma sociedade<br />
machista e católica. Só após<br />
tornar-se viúva, Elvira e Giacomo<br />
se casaram, em 1904. Tiveram um<br />
filho, Antonio. Mesmo após o casamento,<br />
ambos sofreram revezes<br />
por conta dos ciúmes da mulher,<br />
que reagia publicamente aos boatos<br />
– e verdades – acerca das<br />
amantes e casos de Puccini nas<br />
várias cidades em que apresentava<br />
seus aclamados espetáculos.<br />
Diz-se que o compositor chegou<br />
a ter um segundo filho, “secreto”,<br />
em 1923. Antonio Manfredi<br />
seria fruto da relação com<br />
Giulia Manfredi, prima da doméstica<br />
Doria, que se suicidou em<br />
1909, após acusações de traição<br />
feitas por Elvira. Puccini e la fanciulla,<br />
filme de Paolo Benvenuti,<br />
lançado este a<strong>no</strong> na Itália, narra<br />
o episódio, ocorrido em 1908.<br />
— Acredito que ele se refugiava<br />
em suas personagens femininas,<br />
com as quais se sentia<br />
à vontade para ‘conversar’. Vejo<br />
em todas as mulheres de Puccini<br />
mulheres que ele gostaria de ter<br />
tido como companheiras, como<br />
Tosca e Turandot, que se dobram<br />
completamente ao fascínio físico<br />
do protagonista. Com certeza,<br />
em todas as óperas, em função<br />
da idade que ele tinha quando as<br />
compôs, a partir da ópera Ma<strong>no</strong>n<br />
Lescaut, o te<strong>no</strong>r-herói é sempre<br />
uma projeção de sua personalidade<br />
— defende Casoy cuja paixão<br />
por Puccini começou na infância,<br />
quando ouvia o compositor na<br />
rádio-vitrola da família.<br />
Por outro lado, o compositor<br />
da inacabada Turandot sempre<br />
amou o campo e recarregava as<br />
energias em Torre Del Lago, onde<br />
comprou casa, barcos e automóveis,<br />
então uma extravagância.<br />
Bem antes, passou por necessidades<br />
financeiras durante uma<br />
década como estudante em Milão,<br />
após ganhar bolsa de cem liras<br />
da Rainha Margherita, a pedido<br />
da mãe. Sua paixão pela ópera<br />
se deu aos 18 a<strong>no</strong>s, após ouvir<br />
Aida, de Verdi. <strong>Na</strong>quele momento,<br />
ele rompia com seu “desti<strong>no</strong>”<br />
de organista de igreja a que estaria<br />
fadado por tradição familiar.<br />
A estréia de Le Villi, em 1884,<br />
quando tinha 26 a<strong>no</strong>s, em Milão,<br />
foi bem recebida. Financeiramente,<br />
<strong>no</strong> entanto, Puccini alcançou estabilidade<br />
somente a partir de Ma<strong>no</strong>n<br />
Lescaut, de 1893. Ganhou muito<br />
dinheiro preparando as próprias<br />
montagens nas capitais européias.<br />
— A característica de Puccini,<br />
exceto em Gianni Schicchi, uma<br />
comédia, é a presença explícita de<br />
uma carga erótica às vezes sadia,<br />
como em La Bohème, entre Rodolfo<br />
e Mimi, ou em La Rondine, com<br />
Ruggero e Magda. Porém, seu erotismo<br />
era também doentio, como<br />
na relação entre Scarpia e Tosca.<br />
Verista<br />
Puccini integrou a Jovem Escola<br />
Italiana, grupo de compositores<br />
do final da década de 1880 que<br />
Alberto Carvalho<br />
Em Lucca, há lojas especializadas na obra de Puccini. A cidade tem uma<br />
estátua em homenagem ao seu filho mais ilustre<br />
compôs até os a<strong>no</strong>s 1930 e flertou<br />
com o verismo, corrente literária<br />
<strong>italiana</strong> surgida em 1875, a partir<br />
das obras de escritores e poetas<br />
que constituíram uma escola<br />
baseada num conjunto de princípios<br />
realistas. <strong>Na</strong> ópera, esse estilo<br />
tem como marcos a Cavalleria<br />
Rusticana, de Pietro Mascagni, e<br />
I Pagliacci, de Ruggiero Leoncavallo.<br />
Segundo o professor da USP,<br />
Puccini sobressaiu porque não se<br />
prendeu a escola nenhuma.<br />
— Ele compôs óperas veristas<br />
quando quis e precisou. Tosca e<br />
Il Tabarro são veristas. La Bohème<br />
é realista e romântica ao mesmo<br />
tempo, criada por alguém que<br />
nunca havia ido a Paris e suscitou<br />
de Claude Debussy o comentário:<br />
‘Puccini descreveu a Paris de 1830<br />
melhor do que qualquer francês<br />
faria’ — conta Casoy — A sensibilidade<br />
e ligação com a antiga<br />
tradição <strong>italiana</strong> foram seus diferenciais.<br />
Com um bom libreto, deixava<br />
a música fluir, aliada à apurada<br />
base teatral. Acima de tudo,<br />
evoluía constantemente, assistindo<br />
ao revolucionário balé Pássaro<br />
Carlos Gomes<br />
de Fogo, de Igor Stravinsky ou ouvindo<br />
o anti-wagneria<strong>no</strong> Debussy.<br />
Reinventou-se a partir de La Fanciulla<br />
del West, de 1910, quando<br />
foi pouco compreendido por agregar<br />
a veia sinfônica à ópera.<br />
Em 1924, Puccini foi diag<strong>no</strong>sticado<br />
com câncer na garganta<br />
e seguiu para Bruxelas para<br />
tratamento, onde morreu por<br />
insuficiência cardíaca. Depois da<br />
sua morte, caiu <strong>no</strong> esquecimento.<br />
Segundo Casoy, grande parte<br />
da elite intelectual jamais lhe<br />
perdoou o sucesso, a facilidade<br />
com que fazia música bonita que<br />
se comunicava com o público.<br />
Porém, a partir de 1950, o mundo<br />
“acordou”. Uma <strong>no</strong>va geração<br />
revalorizou sua obra. Hoje, em<br />
todos os manuais e compêndios<br />
eruditos se assinala Puccini como<br />
o “sucessor de Verdi, o grande<br />
continuador da tradição <strong>italiana</strong>”,<br />
assevera Casoy.<br />
Se Puccini compôs o que compôs, muito se deve a um brasileiro.<br />
Casoy garante que, se não fosse Carlos Gomes (1836-1896), Puccini<br />
simplesmente não teria existido. Operista de estilo romântico,<br />
Gomes foi o primeiro compositor brasileiro a ter suas obras apresentadas<br />
<strong>no</strong> Teatro alla Scala, o tempo sagrado da ópera, em Milão.<br />
— Carlos Gomes teve grande influência por ter, entre outros elementos,<br />
usado metais dissonantes na orquestra. Se não fosse a Fosca<br />
do brasileiro, não haveria a Tosca do italia<strong>no</strong> — afirma o professor.<br />
Carlos Gomes era vizinho e amigo de Amilcare Ponchielli (1834-<br />
1886), diretor do Conservatório de Milão e professor de Puccini. O<br />
brasileiro ajudou Ponchielli a compor a famosa La Gioconda. À época,<br />
o ambiente musical era impregnado de Richard Wagner.<br />
48 C o m u n i t à I t a l i a n a / De z e m b r o 2008<br />
D e z e m b r o 2008 / Co m u n i t à I t a l i a n a 49