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Tradição
de sucesso
Originária da Sicília, família Comparato se reúne
para celebrar seus 115 anos no Brasil
Tat i a n a Bu f f
Correspondente • São Paulo
A
cada cinco anos, 90 pessoas
se reúnem para uma
comemoração. Todos integram
o clã da família Comparato
e relembram a chegada de
Antonino Comparato e Emanuela
Mazzeo Comparato ao Brasil.
O casal aportou em Santos, em
16 de julho de 1893, emigrado
de Mistretta, província de Messina,
na Sicília, no navio Escuria,
que partiu de Nápoles. Em 2008,
o ritual se repetiu para celebrar
os 115 anos da família.
O casal trouxe sete dos nove
filhos, que constituíram famílias
no “novo mundo” e se multiplicaram,
perpetuando-se em cinco
gerações até hoje. Cabe ao patriarca
Armando Comparato, de
81 anos, liderar, em São Paulo,
essas reuniões especiais. Ex-presidente
da Pirelli, onde atuou
durante mais de cinco décadas,
ele se incumbe com vigor de procurar,
por telefone e internet, os
parentes que acabaram se afastando
com o tempo.
A primeira celebração da família
ocorreu em 1993, quando
a família completou um século
em território brasileiro. Armando
Comparato responde ainda pela
coleção de documentos da família,
Em meio a fotografias que contam
a história da família, Armando tem
a tarefa de reunir os membros do
clã espalhados pelo Brasil
base para um livro a ser publicado
“sem pressa de conclusão”. Afinal,
ele conta, informações históricas
são descobertas com freqüência
em um grupo tão numeroso.
— Tentamos manter esses
encontros, com missa e almoço.
Está se tornando a tradição do
qüinqüênio. Por um lado, é triste
porque no interregno sempre
faltam alguns parentes. De outro,
porém, nascem bem-vindos membros.
A maior parte dos mais novos
já tem o nome Comparato só
no meio, mas há dois agora que
serão responsáveis pela continuidade
do clã — conta o patriarca.
História
Armando é filho de Vicente Comparato,
que desembarcou aos cinco
anos de idade na baixada santista
com os pais e seis irmãos.
A família falava então o dialeto
siciliano, linguagem que praticamente
se extinguiu no cotidiano
brasileiro. Vicente casou-se com
Guilhermina Apolinário, emigrada
aos dois anos do norte de Portugal.
Deste ramo, nasceram quatro
filhos e o primogênito de Vicente,
anterior ao casamento.
— Meu pai só falava o dialeto
siciliano com meus tios. Nós, crianças,
não entendíamos nada – relembra
o terceiro dos cinco irmãos.
Claudio Cammarota
Quando entrou na Pirelli, em
1941, aos 13 anos, Armando Comparato
nem sonhava que um dia
iria presidir a empresa - no Brasil
desde 1929. Tão pouco imaginava
que se tornaria conselheiro da direção
até se aposentar, em 1992.
Também não poderia suspeitar
que veria o filho, o engenheiro
Armando Comparato Júnior, presidente
há dois anos da Prysmian
– ex-Pirelli Cabos - na América do
Sul, honrar seu posto.
— Na Pirelli, antigamente, diziam:
‘aquele é o filho do Armando’.
Hoje é o contrário, falam: ‘esse
é o pai do Armando’ — brinca.
Além do executivo, o patriarca
– avô de três jovens - teve Regina
Helena e Silvana com Dorothy
Splendore Comparato, não
por coincidência de origem italiana
e grega. O casal se conheceu
em 1949 na própria Pirelli,
onde ambos trabalhavam, em
Santo André, e se uniu em 1954.
Viajando freqüentemente a trabalho
e lazer à Itália, Armando visitou
pela primeira vez a terra dos
antepassados em 1984. Na ocasião,
com a esposa, o ex-presidente
da Pirelli chegou a encontrar um
Comparato em Mistretta. Foi um
encontro muito rápido e um tanto
tumultuado porque Armando havia
sido roubado um dia antes de chegar
à cidadezinha. Isso, segundo
ele, “atrapalhou um pouco”.
A esperança de reencontrar parentes
por ora distantes, no entanto,
não foi abalada. A família está
novamente em viagem na península
– até meados de dezembro. Desta
vez com mais tempo, tranqüilidade
e pistas para comunicar-se
com os Comparato que permaneceram
em Mistretta ou migraram para
outras regiões italianas.
Profusão de talentos
Filhos, netos e bisnetos de Antonino
e Emanuela conquistaram
fama no Brasil e no mundo, com
sucesso ininterrupto até a geração
mais recente, os tataranetos.
Um dos mais ilustres foi o caçula
do casal, o médico e pesquisador
Sebastião Comparato
(1891-1979), que revolucionou
a história da sétima arte com a
descoberta da tecnologia da terceira
dimensão – o cinema 3D -,
em 1934. O inventor fez a primeira
projeção 3D no Rio de Janeiro
dois anos depois, no antigo cine
Metrópole. Embora tenha obtido
a patente internacional para
o Brasil, 17 anos depois, a “novidade”
emergiu ao mundo como
uma invenção norte-americana.
Premiado e reconhecido internacionalmente,
o escritor e roteirista
de novelas, minisséries e
seriados para televisão e cinema
e neto do médico Sebastião, Luiz
Felipe, se tornou conhecido como
Doc Comparato. Foi o apelido que
ganhou graças à associação a sua
primeira profissão. Doc veio de
doctor, médico em inglês. O autor
do livro Da criação ao roteiro era
um renomado cardiologista. Decidiu
mudar de carreira em Londres,
enquanto cursava pós-graduação
na área médica, nos anos 1970.
Doc recebeu o Prêmio Teatral
Anna Magnani, em 2003, na Itália,
e a medalha de ouro do Festival
de Cinema e Televisão de Nova
York, em 1982, entre outras honrarias
internacionais. Atualmente,
colabora com a Rede Record no
roteiro da novela Os Mutantes.
O escritor é pai da atriz Bianca
Comparato, que acaba de atuar
na novela Beleza Pura, da TV
Globo, onde, também interpretou
a divertida Maria João na novela
Belíssima (2005/2006).
Os Comparato celebram os
115 anos de presença no Brasil.
Lembranças da influencia italiana
se apresentam, porém, no Natal
Direito e Moda
Jurista, escritor e professor titular
aposentado da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo,
Fábio Konder Comparato, bisneto
de Emanuela e Antonino, integrou
a acusação no aclamado processo
de impeachment do ex-presidente
Fernando Collor de Mello, em
1992. É autor de uma das ações
populares contra a privatização
da Companhia Vale do Rio Doce,
movida por um grupo de advogados
e juristas de São Paulo.
O Doutor em Direito pela Universidade
de Paris, Doutor Honoris
Causa da Universidade de Coimbra
e autor reconhecido internacionalmente
é irmão de José Marcos
Konder Comparato, ex-presidente
da Itaúsa Empreendimentos e
atual conselheiro da Sadia.
José Marcos, segundo seu
primo, Armando Comparato, é
dos que mais garantem ativos os
vínculos com a nação dos antepassados,
“com muito orgulho de
nossa origem italiana”.
— Em Avaré, interior de São
Paulo, José Marcos possui uma
chácara chamada carinhosamente
pelos vizinhos de sítio do italiano
– revela Armando, bem-humorado.
No mundo da moda, o clã também
imprime as próprias marcas: a
estilista Rita Comparato, tataraneta
do casal emigrante, filha de Alice
Comparato, criou a grife Neon
em 2002 com o colega Dudu Bertholini,
originalmente desenhando
maiôs e moda praia. Eles trabalharam
para marcas consagradas, como
Triton, Zapping e Cori e foram
convidados a participar este ano
da São Paulo Fashion Week.
Arquivo pessoal
Laços e costumes
Na Sicília, hábitos e tradições milenares
transbordam em cada paesino
ou província. Daqueles tempos
imemoriais permaneceram no
clã Comparato, antes de tudo, “os
laços de sangue que falam mais alto”,
resume, a um só tempo altivo
e afetuoso, Armando Comparato:
— Nutrimos um forte sentido
de enraizamento familiar. Às vezes,
podemos parecer frios à distância,
mas na verdade existe um senso de
proteção muito grande entre nós.
Reconhecemo-nos pela expressão,
pelas feições, até na primeira vez
que encontramos um consangüíneo
de um ramo longínquo.
Na memória do clã, os sabores
sicilianos também ocupam
seu devido e inconfundível lugar.
No Natal, o generoso panetone
era de fato por si só motivo
de felicidade, especialmente
das crianças. A receita tradicional,
preparada pelas mulheres em
casa, exalava o aroma da alegre
reunião. Outro paladar autêntico
de Mistretta, inigualável até hoje,
de acordo com o patriarca, é
o spaghettoni alle sarde e finocchio,
um tipo de espaguete graúdo
com sardinhas e erva-doce.
— Minha mãe e minha irmã,
na Itália, aprenderam a fazer
a pasta com minha avó. Falando
nela chego a sentir aquele sabor
na boca – exulta Armando.
Uma questão, porém, ainda
instiga os descendentes dos Comparato
no Brasil: a razão da emigração
de Antonino e Emanuela
no final do século 19. Segundo o
ex-presidente da Pirelli, há versões
relativas a desventuras de
um tio na Itália que teriam motivado
a partida. O fato é que sua
veracidade é uma incógnita. Historicamente,
no entanto, naquele
período, ocorriam as primeiras
ondas migratórias da Itália rumo
ao exterior, causadas pela conjuntura
social e econômica advinda
da unificação do país, proclamada
pelo rei Vittorio Emanuele II em
1861. No caso da família Comparato,
o que se sabe, ao certo, é
que o patriarca, Don Antonino, tinha
o apelido de dirigente.
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