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Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras

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Os três eixos da Reforma do Judiciário<br />

O mundo mudou e as ciências jurídicas nem sempre acompanharam o ritmo<br />

da mudança, nem pressentiram o alcance <strong>de</strong>sse revolver <strong>de</strong> valores, nem<br />

avaliaram as conseqüências da rapi<strong>de</strong>z no <strong>de</strong>sempenho da missão pacificadora.<br />

O recrutamento <strong>de</strong> juízes continua a obe<strong>de</strong>cer um mo<strong>de</strong>lo que produziu<br />

bons frutos, mas também se ressente <strong>de</strong> obsolescência. Fazer o jovem <strong>de</strong>corar<br />

textos legislativos, doutrinários e jurispru<strong>de</strong>nciais po<strong>de</strong> apurar a sua capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> memorização, nunca as qualida<strong>de</strong>s exigíveis a um julgador.<br />

Assim que admitido, o juiz se vê imerso numa realida<strong>de</strong> impregnada <strong>de</strong> tradição<br />

e ritualismo. Embora se proclame a inexistência <strong>de</strong> hierarquia, ele se vê às<br />

voltas com rotinas e praxes preservadoras <strong>de</strong> um premeditado distanciamento<br />

com as cúpulas. O sistema <strong>de</strong> promoções estimula uma postura comedida,<br />

esterilizadora <strong>de</strong> qualquer ousadia ou criativida<strong>de</strong>.<br />

Técnicas exitosas <strong>de</strong> persuasão convertem os mais afoitos em disciplinados<br />

burocratas. Uma especial concepção do princípio processual da inércia faz<br />

com que o juiz seja sempre impedido <strong>de</strong> atuar como administrador ou como<br />

cidadão. O estímulo à a<strong>de</strong>são incondicional <strong>de</strong>rivada do ensinamento dos<br />

mais antigos faz <strong>de</strong>le um disciplinado colecionador <strong>de</strong> jurisprudência e, com o<br />

tempo, corre o risco <strong>de</strong> abdicar <strong>de</strong> ter suas próprias idéias. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

sobreviver com equilíbrio fá-lo cada vez mais distanciado do cerne dos conflitos<br />

e um repetidor <strong>de</strong> fórmulas processuais, muito mais do que um solucionador<br />

<strong>de</strong> problemas humanos.<br />

Tudo isso perpetua um previsível congestionamento da máquina judicial,<br />

um <strong>de</strong>scompromisso com a oferta <strong>de</strong> soluções, uma visão fatalista própria a<br />

um ser injustiçado. Trabalha com a matéria-prima produzida pelo Legislativo,<br />

enfrenta a insuficiência <strong>de</strong> recursos financeiros, pois o dono do caixa, o Executivo,<br />

é avaro em relação às pretensões judiciárias.<br />

Essa equação precisa se inverter mediante um protagonismo que po<strong>de</strong>ria ser<br />

<strong>de</strong>nominado heróico, nos tempos vividos pela nacionalida<strong>de</strong>. É fundamental<br />

que a Justiça venha a ser um porto seguro para as reivindicações da cidadania,<br />

sobretudo daquela parcela da população que nem cidadã po<strong>de</strong> ser chamada,<br />

pois excluída <strong>de</strong> quase todos os bens da vida. Mesmo a vida, pressuposto <strong>de</strong><br />

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