10.01.2015 Views

Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras

Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras

Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Francisco Marins<br />

Disse tão alto e <strong>de</strong>cidido que a mulher se encolheu.<br />

Ao ouvir os gritos, Paulino chamou-os. E or<strong>de</strong>nou:<br />

– Ponham o Zoca <strong>de</strong>itado na esteira.<br />

Ajoelhou-se. Passou a mão pelo seu peito. Zoca respirava com dificulda<strong>de</strong> e<br />

tossiu soltando no chão um catarro escuro. Paulino rezou baixinho e disse palavras<br />

que ninguém enten<strong>de</strong>u. Nem era preciso. O que eles queriam era a presença<br />

do amigo ali ao lado do doente.<br />

– Não é para sarar, mas pra aliviar a dor! – disse, então, para que todos ouvissem.<br />

Pauli voltou para o seu cepo, arrastando-se. Estava pior que o companheiro<br />

por quem acabara <strong>de</strong> rezar, mas não dava <strong>de</strong>monstração.<br />

Foi então que os homens <strong>de</strong> Sant’Ana, prepotentes, invadiram-lhe a casa,<br />

empurrando Nhana-Peva para um canto.<br />

– Ninguém po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ter as autorida<strong>de</strong>s! – bradou o <strong>de</strong>legado.<br />

– Praticar curan<strong>de</strong>irismo é crime! – anunciou o farmacêutico. – E aqui está<br />

a prova, com testemunhas!<br />

Pôs-se a vasculhar e <strong>de</strong>scobriu sobre um tripé uma garrafa com beberagem.<br />

– Tudo apreendido! – confirmou a autorida<strong>de</strong>.<br />

– O líquido po<strong>de</strong> ser veneno pro “figo”, pra tripa, pro “estamo”, não é –<br />

perguntou o soldado.<br />

Paulino mal ouvia o que eles falavam, absorto, com o olhar morto a<br />

percorrer o requadro da porta, por on<strong>de</strong> entrava uma réstia <strong>de</strong> luz, que ele<br />

não via.<br />

– A gente tem o flagrante, do criminoso, com o doente e a mezinha na garrafa!<br />

– confirmava o <strong>de</strong>legado.<br />

Paulino não sabia o que queria dizer flagrante, nem atinava para o complicado<br />

da situação.<br />

– Tem que ser levado preso, por prática <strong>de</strong> curan<strong>de</strong>irismo.<br />

– Na certa está tomado por <strong>de</strong>mônios! – afirmava o padre.<br />

– Cruis, credo! – benzeu-se o escrevente.<br />

176

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!