Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras
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Francisco Marins<br />
Disse tão alto e <strong>de</strong>cidido que a mulher se encolheu.<br />
Ao ouvir os gritos, Paulino chamou-os. E or<strong>de</strong>nou:<br />
– Ponham o Zoca <strong>de</strong>itado na esteira.<br />
Ajoelhou-se. Passou a mão pelo seu peito. Zoca respirava com dificulda<strong>de</strong> e<br />
tossiu soltando no chão um catarro escuro. Paulino rezou baixinho e disse palavras<br />
que ninguém enten<strong>de</strong>u. Nem era preciso. O que eles queriam era a presença<br />
do amigo ali ao lado do doente.<br />
– Não é para sarar, mas pra aliviar a dor! – disse, então, para que todos ouvissem.<br />
Pauli voltou para o seu cepo, arrastando-se. Estava pior que o companheiro<br />
por quem acabara <strong>de</strong> rezar, mas não dava <strong>de</strong>monstração.<br />
Foi então que os homens <strong>de</strong> Sant’Ana, prepotentes, invadiram-lhe a casa,<br />
empurrando Nhana-Peva para um canto.<br />
– Ninguém po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ter as autorida<strong>de</strong>s! – bradou o <strong>de</strong>legado.<br />
– Praticar curan<strong>de</strong>irismo é crime! – anunciou o farmacêutico. – E aqui está<br />
a prova, com testemunhas!<br />
Pôs-se a vasculhar e <strong>de</strong>scobriu sobre um tripé uma garrafa com beberagem.<br />
– Tudo apreendido! – confirmou a autorida<strong>de</strong>.<br />
– O líquido po<strong>de</strong> ser veneno pro “figo”, pra tripa, pro “estamo”, não é –<br />
perguntou o soldado.<br />
Paulino mal ouvia o que eles falavam, absorto, com o olhar morto a<br />
percorrer o requadro da porta, por on<strong>de</strong> entrava uma réstia <strong>de</strong> luz, que ele<br />
não via.<br />
– A gente tem o flagrante, do criminoso, com o doente e a mezinha na garrafa!<br />
– confirmava o <strong>de</strong>legado.<br />
Paulino não sabia o que queria dizer flagrante, nem atinava para o complicado<br />
da situação.<br />
– Tem que ser levado preso, por prática <strong>de</strong> curan<strong>de</strong>irismo.<br />
– Na certa está tomado por <strong>de</strong>mônios! – afirmava o padre.<br />
– Cruis, credo! – benzeu-se o escrevente.<br />
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