Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras
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O curan<strong>de</strong>iro dos olhos em gaze<br />
Certa vez uma velha <strong>de</strong>funta fora colocada na mesa, no lugar <strong>de</strong> sempre. Os<br />
parentes saíram para cuidar do indispensável para o enterro e até <strong>de</strong> abrir a vala<br />
<strong>de</strong> sete palmos <strong>de</strong> fundo na terra do cemitério, pois coveiro não havia. Eles se<br />
<strong>de</strong>moravam a voltar.<br />
Os meninos, encolhidos e encostados um ao outro, no banco da igrejinha,<br />
calados, não tinha coragem <strong>de</strong> olhar para a morta, com aspecto medonho pela<br />
extrema magreza, rosto <strong>de</strong>formado, em esgar, a mostrar dois <strong>de</strong>ntes escuros<br />
apontados para fora da boca.<br />
A tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>scera rapidamente e os parentes se retardavam. No interior da<br />
igreja, uma pequena vela tremulava no altar.<br />
Encolhidos, angustiados, eles estavam prestes a sair pelos fundos, quando<br />
ouviram um barulho inesperado. O cadáver tivera um refluxo alto, que ressoou<br />
pela nave. Espécie <strong>de</strong> catarro encalhado, ressoou alto, <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>scontínuo,<br />
como se a morta estivesse a se afogar ou tentasse expelir algo da garganta.<br />
Zé-Gilim saltou do banco e, sem dar explicações, foi o primeiro a sair correndo<br />
da igreja seguido pelos companheiros que, no pátio fronteiro à igreja, se<br />
dispersaram e, “pernas para que te quero...”, trêmulos <strong>de</strong> medo, buscaram suas<br />
moradas.<br />
Naquele dia não houve o repique <strong>de</strong> sino à partida do corpo.<br />
Maior alegria e distração era quando o bandinho ia nadar no poção do corgo,<br />
lugar <strong>de</strong> remanso que eles próprios haviam preparado, à beira do mato, por on<strong>de</strong><br />
rodavam as águas. Nadavam ali em alegres brinca<strong>de</strong>iras, por horas seguidas.<br />
E, fato <strong>de</strong> que não po<strong>de</strong>riam se esquecer, a lhes marcar o <strong>de</strong>spertar dos sentidos,<br />
foi o da chegada à vila <strong>de</strong> um bando <strong>de</strong> ciganos, com muitas filhas adolescentes.<br />
No dia imediato, eles vieram espiar <strong>de</strong> perto as barracas, revestidas por <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> panos a cores berrantes, que lhes <strong>de</strong>spertavam curiosida<strong>de</strong>.<br />
E respon<strong>de</strong>ra, às perguntas das jovens:<br />
– No riacho tem poção pra banho<br />
– Tem – Zé-Gilim respon<strong>de</strong>u <strong>de</strong> pronto e tratou <strong>de</strong> explicar o jeito <strong>de</strong><br />
ir lá e que o lugar era supimpa pra mergulhos...<br />
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